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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O roteiro final do mensalão - parte 3

N° Edição: 2103 | 26.Fev - 14:46 | Atualizado em 26.Fev.10 - 14:46

O roteiro final do mensalão - parte 3

ISTOÉ teve acesso às 69 mil páginas do processo do STF que trazem à tona novas histórias sobre o esquema de corrupção. Em uma delas aparece o coordenador de campanha de Dilma, o ex-prefeito Fernando Pimentel, como operador de remessas ilegais

Hugo Marques

As testemunhas do caixa 2

A ação penal no STF traz depoimentos inéditos de testemunhas que comprovam definitivamente grandes movimentações de “dinheiro não contabilizado”, expressão usada pelo petista Delúbio Soares para justificar o Mensalão. Os testemunhos surpreendem, não apenas pelo seu valor jurídico, mas pela naturalidade com que os envolvidos tratam de uma questão criminal como se fosse algo rotineiro. Ex-presidente do Banco Popular do Brasil, Ivan Guimarães confirmou na Justiça Federal em São Paulo, no dia 27 de maio de 2009, que o PT movimentou dinheiro sujo. “Boa parte da crise era devido a esses empréstimos que não constaram da contabilidade, o caixa 2”, disse Guimarães, dando detalhes dos empréstimos que o PT fez no Rural e no BMG. “Tomei conhecimento destes empréstimos. Eu não me lembro o valor total, mas era algo superior a 40 milhões (de reais).” Guimarães afirmou ter participado das reuniões que escolheram a agência de Marcos Valério para trabalhar nas campanhas do Banco do Brasil, mas responsabilizou o conselho diretor e o ex-diretor Henrique Pizzolato.

Pelos depoimentos, fica evidente que práticas ilegais eram cotidianas nos escritórios dos partidos políticos. Funcionários das legendas não se constrangem ao se declarar abertamente como laranjas do esquema. Coordenadora da campanha do PP em 2004 no Paraná e secretária do ex-deputado José Janene (PP), Rosa Alice Valente confirmou à Justiça em 2009 que sua conta bancária foi utilizada pelo PP para receber dinheiro do PT nacional. O dinheiro chegava através da corretora Bônus Banval, que lavava o dinheiro do Mensalão. “O deputado me disse que foi feito um acordo entre o PT e o PP e que o Enivaldo Quadrado (então dono da Bônus Banval) iria me ligar e daí iria passar na minha conta pra mim (sic) repassar”, disse Rosa. Entre casos já conhecidos e outros só agora descobertos, as confissões surgem de todo lado. Em Alagoas, o deputado Paulo Fernando dos Santos, o Paulão (PT), revelou na Justiça ter recebido R$ 80 mil “não contabilizados” do PT. O dinheiro, segundo ele, era liberado por Delúbio Soares. Presidente do PT no Tocantins na época das fraudes, Divino Nogueira revelou que recebeu dinheiro de caixa 2 do PT nacional, enviado por Delúbio. O ex-deputado baiano Eujácio Simões, que era do extinto PL, afirmou ter recebido R$ 30 mil de caixa 2 do deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP), um dos principais protagonistas do esquema.

Em alguns relatos, os detalhes são tão ricos quanto as quantias movimentadas irregularmente pelos políticos. É o caso do testemunho do empresário José Carlos Batista, sócio da Garanhuns Empreendimentos, empresa que ficou conhecida na época do Mensalão como lavanderia do Mensalão. Réu no processo, Batista decidiu contar tudo o que sabe para ser beneficiado pelo instrumento da delação premiada. Foi ouvido na condição de informante. Pela primeira vez, disse que era dono da Garanhuns apenas no papel porque, na verdade, era “laranja” do verdadeiro dono da empresa, Lúcio Funaro, amigo de Costa Neto. Batista esmiúça como entregou pessoalmente, a pedido de Funaro, quase R$ 3 milhões do esquema do PT para o deputado do PL bancar a campanha eleitoral de 2004. O dinheiro foi entregue na sede do PL em São Paulo. Eram recursos repassados a Funaro por Valério com base em um “contrato fictício” de compras de certificado de reflorestamento da Garanhuns para a SMP&B. Já se sabia que a Garanhuns fora usada por Valério para esquentar o dinheiro repassado do caixa 2 do PT para o PL. O publicitário sempre negou. Em seu depoimento, Batista não só se define como “laranja” como cria dificuldade para aqueles que querem contestar a sua versão do fato pela quantidade de informações que forneceu à Justiça. Ele cita modelos de veículos em que o dinheiro foi carregado em “caixas de papelão”, horários de voos, nomes de intermediários e destinos do dinheiro, como a cidade de Mogi das Cruzes, no interior paulista. São esses detalhes que irão influenciar o ministro relator na hora de confrontar depoimentos contraditórios.

A palavra dos presidentes

Não é comum que presidentes ou ex-presidentes da República sejam sabatinados por juízes, mas entre os novos documentos do Mensalão estão depoimentos de Fernando Henrique Cardoso e do vice-presidente José Alencar. FHC foi arrolado como testemunha de defesa do ex-deputado Roberto Jefferson e prestou um longo depoimento. Suas declarações na 2ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional e Crimes de Lavagem, em São Paulo, em junho do ano passado, somam dez laudas. “O deputado Roberto Jefferson é um batalhador”, disse Fernando Henrique. “Ele é assim, por bem ou por mal ele toma a posição, ele vai em frente.” Fernando Henrique discorreu sobre as diferenças entre seu governo e o do presidente Lula e aproveitou para dar uma estocada no PT. Ele disse que o partido de Lula costuma “transformar em escândalo qualquer caso, muitas vezes sem ter sido apurado”. E acha que o ex-ministro José Dirceu e o deputado José Genoino (PT-SP) são responsáveis por “essa postura”. A provocação de FHC acabou sendo assimilada. Há poucas semanas, o chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, admitiu: “O PT nasceu questionando as instituições tradicionais, mas foi adquirindo vícios. Até o vício da corrupção, que infelizmente entrou em nosso partido.”

Também prestou depoimento no caso do Mensalão o vice-presidente José Alencar. Na época do escândalo, Alencar estava filiado ao PL, o partido do deputado Valdemar Costa Neto. Alencar recebeu da Justiça as perguntas por escrito e se manifestou rapidamente. Afirmou que só soube dos repasses financeiros do PT para o PL quando o ex-deputado Roberto Jefferson fez a denúncia do Mensalão. Disse que durante as negociações para a formação da chapa presidencial eleita em 2002 em nenhum momento participou de discussões envolvendo o financiamento da campanha e que nunca tratou sobre o assunto com o presidente Lula. O presidente, ao contrário de Alencar que se prontificou a colaborar com as investigações e em apenas duas semanas respondeu ao questionário, tem se esquivado de falar sobre o Mensalão. No dia 10 de agosto do ano passado, a juíza Pollyanna Kelly Martins Alves, da 12ª Vara da Justiça Federal de Brasília, enviou ofício diretamente ao Palácio do Planalto, informando que Lula está arrolado como testemunha no “processo do Mensalão”. E redigiu: “Conto com a compreensão de Vossa Excelência em colaborar com o Poder Judiciário.” A seguir, a juíza pede a Lula que “indique dia e hora que melhor lhe convier” para comparecer à Justiça, ou ainda que “manifeste interesse em encaminhar respostas por escrito, se assim lhe aprouver, observando o intervalo entre 14 de setembro de 2009 e 30 de outubro de 2009”. Já se passaram quatro meses do prazo sugerido pela juíza e Lula não se prontificou até agora a enviar as respostas, nem sequer por escrito.
O Mensalão do PT foi o primeiro a ser descoberto, em 2005, e nos últimos cinco anos vem sendo investigado. Depois dele, surgiram o Mensalão Tucano, revelado por ISTOÉ em setembro de 2007, e o Mensalão do DEM, no final de 2009. Os esquemas são semelhantes e mostram que a prática do caixa 2 e da compra de apoios políticos não é privilégio de um único partido político. Como todos têm seu mensalão, é até possível que se depender dos políticos esses crimes permaneçam impunes. A boa notícia é que o Judiciário tem dado mostras de que esse quadro poderá ganhar novas molduras. No caso do Mensalão do DEM, um governador está preso preventivamente e, se depender do potencial dos novos documentos em poder do relator Joaquim Barbosa, o STF tem elementos de sobra para não manter a impunidade no caso do Mensalão do PT, ainda que cinco anos depois.

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