Uma cruzada contra o Sal
Governos, indústria e médicos de todo o mundo se mobilizam para reduzir a quantidade do ingrediente nos alimentos
Mônica Tarantino Um novo inimigo público da saúde acaba de ser eleito: o sal. O tempero está no centro de um movimento que se alastra pelos Estados americanos congregando agências de saúde regionais e nacionais pela redução da sua presença na comida servida em casa, em restaurantes e industrializada. Quem lidera a iniciativa é o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, que já puxou a fila para tirar o fumo dos locais públicos e eliminar a gordura transaturada. A meta inicial dos americanos é tirar 25% do sal da comida pronta ou industrializada nos próximos cinco anos – e isso inclui as cadeias de fast-food. O efeito esperado é a diminuição das complicações cardíacas e circulatórias associadas a níveis elevados de pressão arterial, diretamente influenciados pela quantidade de sal consumida. Novas pesquisas adicionam força à proposta. Recentemente, cientistas das universidades da Califórnia, Stanford e Colúmbia divulgaram um estudo afirmando que tirar três gramas de sal da alimentação (cerca de uma colher de chá cheia) diária pode promover uma redução de 13% ao ano no número de ataques cardíacos e evitar em torno de 92 mil mortes. É bastante, considerando que as doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade nos países desenvolvidos. O trabalho foi publicado pela revista científica “The New England Journal of Medicine”. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Cardiologia está concluindo um estudo para avaliar também o impacto da redução. Entre os americanos, a média de consumo diário varia entre dez e 14 gramas por dia. No País, segundo o IBGE, chega a 9,6 gramas para quem come em casa. Para aqueles que se alimentam fora, o consumo empata com a média americana. A mobilização já chegou por aqui. A Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH) está em entendimento com representantes dos restaurantes para reduzir a quantidade de sal e discute a inclusão nos cardápios de pratos com baixo teor do ingrediente e de gordura, que seriam marcados por um selo. “Muita gente se alimenta nos estabelecimentos comerciais”, diz o cardiologista Fernando Nobre, presidente da SBH. A entidade também planeja campanhas para explicar por que vale a pena comer menos sal. A indústria procura soluções. A brasileira Brastrigo, por exemplo, colocará nas prateleiras do País dois dos seus produtos mais vendidos com menor concentração. “Reduzimos em 46% a quantidade nos milhos em conserva”, diz Sheila Mattos, gerente de marketing. Em 2010, a redução do sal será também o principal item das negociações do Fórum de Alimentação Saudável, formado por representantes do governo e da indústria alimentícia. O que faz do sal um vilão? O efeito que o excesso tem nas pessoas mais sensíveis a sua ação. “E metade da população mundial apresenta essa sensibilidade”, diz o nefrologista Décio Mion, chefe da Unidade de Hipertensão do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para esses indivíduos, a ingestão de uma quantidade maior facilita a retenção de líquidos no organismo e interfere no funcionamento do sistema nervoso simpático, que controla os movimentos involuntários (como a contração dos vasos sanguíneos). Por vias indiretas, portanto, comer sal a mais contribui para subir a pressão arterial. Se a pessoa somar outros fatores de risco para a elevação da pressão, como a herança genética (ter pai, mãe ou avós hipertensos), o sedentarismo e a obesidade, pode se tornar hipertensa. Em contraposição, há quem coma sal à vontade sem que isso tenha impacto na pressão. Esses grupos, acreditam os cientistas, não têm genes (ainda em pesquisa) que predispõem ao problema. Aos mais radicais, a ciência avisa que cortar completamente o sal não tem se revelado uma boa escolha. Em uma investigação conduzida na Universidade de São Paulo por Mion e o pesquisador Eder Quintão, manter uma dieta com baixos teores de sal – 3,6 gramas por dia – levou ao aumento do colesterol ruim e elevou os níveis de triglicérides, outra gordura do sangue. A questão é achar a medida certa. O correto é começar o controle desde cedo. “Há dados suficientes para ter certeza de que o consumo exagerado tem origem na infância, quando se educa o paladar”, diz a nutricionista Maria Luiza Ctenas, da C2 Consultoria Nutricional. Na casa do nefrologista Mion, que pertence ao grupo das pessoas sensíveis ao sal, a cozinheira Júlia foi orientada a reduzir muito a presença do condimento. “É só aprender a gostar. Pesquisas indicam que entre três e quatro meses o paladar se adapta”, garante o médico.
“Pesquisas indicam que em quatro meses o paladar se adapta à comida com menos sal”
Décio Mion, médico
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