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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Lúpus

14/02/2010 - 09h00

Apresentadora de TV, Juliana Santos aprendeu a viver com limitações causadas pelo lúpus


DENISE MENCHEN
da Folha de S.Paulo, no Rio

A náusea que acometeu a então estudante de publicidade Juliana Carvalho dos Santos em maio de 2001 foi inicialmente vista como consequência de uma festa da véspera. À época com 19 anos, ela tinha exagerado na bebida e não estranhou quando não conseguiu conter o vômito após o jantar.




A suposta ressaca, porém, foi sucedida por febre e fraqueza, que se agravaram nos dias seguintes. Cerca de uma semana mais tarde, era internada sob suspeita de meningite. Trinta e sete dias depois, deixava o hospital paraplégica. O diagnóstico era de mielite transversa, uma inflamação na medula espinhal causada por lúpus eritematoso sistêmico, doença que desconhecia ter.

Hoje adaptada à nova condição, Juliana, 28, apresenta o programa "Faça a Diferença", da TV Assembleia do Rio Grande do Sul, sobre pessoas com deficiência. Escreveu, também, um livro em que conta sua história, com lançamento previsto para este semestre.

Entre as memórias está o período de internação. Isolada devido à suspeita de meningite, ela desenvolveu síndrome do pânico. Viu também os membros perderem força até não conseguir sair da cama. Por alguns dias, ficou tetraplégica --mexia apenas a cabeça.

Sem diagnóstico preciso, recebeu antibióticos, corticoides e imunossupressores. Foi submetida ainda à plasmaferese, filtragem do plasma sanguíneo para a remoção de elementos que podem ocasionar doenças. O tratamento surtiu efeito e, com o recuo da inflamação e a ajuda da fisioterapia, ela voltou a mexer os braços.

A cadeira de rodas saiu do hospital com ela. A lesão remanescente na medula, prolongamento do sistema nervoso central que conduz os impulsos do cérebro para o corpo e vice-versa, deixou-a sem movimentos nas pernas e sem sensibilidade dos seios para baixo.

A casa onde morava com os pais e os quatro irmãos em Porto Alegre, repleta de escadas, virou obstáculo. Sem conhecer as mudanças possíveis para tornar a vida mais fácil, esperançosa com a recuperação e em dificuldades financeiras, passou a morar na sala de estar. Durante três anos, dependeu de ajuda para acessar o lavabo, distante três degraus.

A volta à faculdade também foi complicada. Com o movimento das mãos debilitado, levava um gravador para o curso. Em casa, tentava passar as informações para o caderno. "Tive que reaprender a escrever, a digitar, a cortar as unhas", lista.

Outro desafio foi retomar o convívio com os amigos em atividades típicas da idade. Ela já nem lembra quantas vezes teve que ser carregada escada acima para participar de festas. "Eu nem ligava para o acesso."

Os remédios também entraram em sua rotina. De perfil autoimune, o lúpus é caracterizado por um desequilíbrio no sistema imunológico: os anticorpos, produzidos para proteger contra infecções, se fixam em alguns órgãos, provocando inflamações. A causa é desconhecida, mas acredita-se que haja relação com fatores genéticos, hormonais e ambientais.

Quando a doença está ativa, os problemas mais comuns ocorrem na pele, articulações, rins e membranas que envolvem pulmão e coração. A inflamação na medula é rara.

Ao longo dos anos, porém, também foram cogitados os diagnósticos de síndrome mista de colágeno e neuromielite óptica. Em comum com o lúpus, o caráter autoimune que pode levar a lesões medulares.

"É comum os médicos discordarem, principalmente nas paraplegias agudas. As hipóteses são diversas e os exames muitas vezes são dúbios", diz o neurologista Ricardo Novis, da Clínica São Vicente, do Rio.

No início, a divergência de opiniões incomodou a apresentadora. "Quando vi que o prognóstico não mudava muito, isso perdeu importância", diz. Hoje, faz o acompanhamento com o reumatologista Henrique Staub, que está convicto de que ela tem lúpus. "A paciente apresentou, no início da doença, dores articulares e anticorpos anti-DNA, compatíveis com o diagnóstico."

O tratamento inclui o uso de imunossupressores e de corticoides para controlar a produção de anticorpos e o processo inflamatório, além de fisioterapia. Juliana toma ainda medicamento para evitar resíduos de urina na bexiga, antidepressivo e anticoagulante. O último foi incluído depois que uma trombose a levou novamente ao hospital --a formação do coágulo ocorreu em 2005 e, segundo Staub, também é uma manifestação do lúpus.

"A trombose me deu uma rasteira. Eu tinha acabado de começar a trabalhar, estava recomeçando a vida e tive que voltar para o hospital. Naquela hora, bateu a revolta do "Por que eu?", não queria mais existir, só pensava em acabar com aquela dor", lembra ela, que tinha sido aprovada em concurso da Assembleia Legislativa.

A crise a motivou a tentar uma vaga na Rede Sarah de reabilitação, em Brasília. Foi internada no fim daquele ano. Quando voltou para a casa, o avanço era visível.

"Voltei a ter privacidade. Antes, tinha que chamar colegas de trabalho que acabara de conhecer para me ajudar a colocar as calças cada vez que ia ao banheiro. O momento em que consegui fazer isso sozinha de novo foi muito marcante."

A internação colaborou para outra redescoberta: a da sexualidade. "Isso sempre foi muito importante para mim, mas de uma hora para outra mudou tudo. Eu estava sem movimento, sem sensibilidade e com a cara do Fofão por causa dos corticoides", brinca ela, que ganhou 20 kg depois da lesão.

A reabilitação na cama veio com o envolvimento com outro paciente. Em uma noite livre, os dois foram a um motel.

"Vê se visualiza a cena, um manco ajudando uma paraplégica a entrar na banheira. Traçamos estratégias, algumas tentativas, e, no final, deu tudo certo. Mas, para sair, outro parto. Pensei até em chamar uma camareira para dar uma força. Como tanto ele quanto eu somos brasileiros e não desistimos nunca, vencemos a porra da banheira! Se eu perder para uma Jacuzzi, vou ganhar de quem?", escreve Juliana no livro, intitulado "Na Minha Cadeira ou na Tua?".

Nota pessoal: essa história é para servir de exemplo de superação.
Fonte:www1.folha.oul.com.br

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