Apresentadora de TV, Juliana Santos aprendeu a viver com limitações causadas pelo lúpus
DENISE MENCHEN
da Folha de S.Paulo, no Rio
A náusea que acometeu a então estudante de publicidade Juliana Carvalho dos Santos em maio de 2001 foi inicialmente vista como consequência de uma festa da véspera. À época com 19 anos, ela tinha exagerado na bebida e não estranhou quando não conseguiu conter o vômito após o jantar.
A suposta ressaca, porém, foi sucedida por febre e fraqueza, que se agravaram nos dias seguintes. Cerca de uma semana mais tarde, era internada sob suspeita de meningite. Trinta e sete dias depois, deixava o hospital paraplégica. O diagnóstico era de mielite transversa, uma inflamação na medula espinhal causada por lúpus eritematoso sistêmico, doença que desconhecia ter.
Hoje adaptada à nova condição, Juliana, 28, apresenta o programa "Faça a Diferença", da TV Assembleia do Rio Grande do Sul, sobre pessoas com deficiência. Escreveu, também, um livro em que conta sua história, com lançamento previsto para este semestre.
Entre as memórias está o período de internação. Isolada devido à suspeita de meningite, ela desenvolveu síndrome do pânico. Viu também os membros perderem força até não conseguir sair da cama. Por alguns dias, ficou tetraplégica --mexia apenas a cabeça.
Sem diagnóstico preciso, recebeu antibióticos, corticoides e imunossupressores. Foi submetida ainda à plasmaferese, filtragem do plasma sanguíneo para a remoção de elementos que podem ocasionar doenças. O tratamento surtiu efeito e, com o recuo da inflamação e a ajuda da fisioterapia, ela voltou a mexer os braços.
A cadeira de rodas saiu do hospital com ela. A lesão remanescente na medula, prolongamento do sistema nervoso central que conduz os impulsos do cérebro para o corpo e vice-versa, deixou-a sem movimentos nas pernas e sem sensibilidade dos seios para baixo.
A casa onde morava com os pais e os quatro irmãos em Porto Alegre, repleta de escadas, virou obstáculo. Sem conhecer as mudanças possíveis para tornar a vida mais fácil, esperançosa com a recuperação e em dificuldades financeiras, passou a morar na sala de estar. Durante três anos, dependeu de ajuda para acessar o lavabo, distante três degraus.
A volta à faculdade também foi complicada. Com o movimento das mãos debilitado, levava um gravador para o curso. Em casa, tentava passar as informações para o caderno. "Tive que reaprender a escrever, a digitar, a cortar as unhas", lista.
Outro desafio foi retomar o convívio com os amigos em atividades típicas da idade. Ela já nem lembra quantas vezes teve que ser carregada escada acima para participar de festas. "Eu nem ligava para o acesso."
Os remédios também entraram em sua rotina. De perfil autoimune, o lúpus é caracterizado por um desequilíbrio no sistema imunológico: os anticorpos, produzidos para proteger contra infecções, se fixam em alguns órgãos, provocando inflamações. A causa é desconhecida, mas acredita-se que haja relação com fatores genéticos, hormonais e ambientais.
Quando a doença está ativa, os problemas mais comuns ocorrem na pele, articulações, rins e membranas que envolvem pulmão e coração. A inflamação na medula é rara.
Ao longo dos anos, porém, também foram cogitados os diagnósticos de síndrome mista de colágeno e neuromielite óptica. Em comum com o lúpus, o caráter autoimune que pode levar a lesões medulares.
"É comum os médicos discordarem, principalmente nas paraplegias agudas. As hipóteses são diversas e os exames muitas vezes são dúbios", diz o neurologista Ricardo Novis, da Clínica São Vicente, do Rio.
No início, a divergência de opiniões incomodou a apresentadora. "Quando vi que o prognóstico não mudava muito, isso perdeu importância", diz. Hoje, faz o acompanhamento com o reumatologista Henrique Staub, que está convicto de que ela tem lúpus. "A paciente apresentou, no início da doença, dores articulares e anticorpos anti-DNA, compatíveis com o diagnóstico."
O tratamento inclui o uso de imunossupressores e de corticoides para controlar a produção de anticorpos e o processo inflamatório, além de fisioterapia. Juliana toma ainda medicamento para evitar resíduos de urina na bexiga, antidepressivo e anticoagulante. O último foi incluído depois que uma trombose a levou novamente ao hospital --a formação do coágulo ocorreu em 2005 e, segundo Staub, também é uma manifestação do lúpus.
"A trombose me deu uma rasteira. Eu tinha acabado de começar a trabalhar, estava recomeçando a vida e tive que voltar para o hospital. Naquela hora, bateu a revolta do "Por que eu?", não queria mais existir, só pensava em acabar com aquela dor", lembra ela, que tinha sido aprovada em concurso da Assembleia Legislativa.
A crise a motivou a tentar uma vaga na Rede Sarah de reabilitação, em Brasília. Foi internada no fim daquele ano. Quando voltou para a casa, o avanço era visível.
"Voltei a ter privacidade. Antes, tinha que chamar colegas de trabalho que acabara de conhecer para me ajudar a colocar as calças cada vez que ia ao banheiro. O momento em que consegui fazer isso sozinha de novo foi muito marcante."
A internação colaborou para outra redescoberta: a da sexualidade. "Isso sempre foi muito importante para mim, mas de uma hora para outra mudou tudo. Eu estava sem movimento, sem sensibilidade e com a cara do Fofão por causa dos corticoides", brinca ela, que ganhou 20 kg depois da lesão.
A reabilitação na cama veio com o envolvimento com outro paciente. Em uma noite livre, os dois foram a um motel.
Nota pessoal: essa história é para servir de exemplo de superação.
Fonte:www1.folha.oul.com.br
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