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quinta-feira, 2 de junho de 2016

“Medicamento não é bala mágica” por Clarissa Pains – O Globo

“Medicamento não é bala mágica”, critica especialista em HIV/Aids
por Clarissa Pains – O Globo

Estudiosos dizem que, embora tratamento esteja avançando, prevenção é o grande gargalo no combate à epidemia

RIO — Embora o número de mortes relacionadas à Aids tenha caído 26,7% nos últimos cinco anos, como mostra o relatório divulgado na terça-feira pelas Nações Unidas, a taxa de novas infecções no mundo permanece quase a mesma. Em 2010, ocorreram 2,2 milhões infecções, e em 2015, foram 2,1 milhões. Para especialistas, isso evidencia que o grande gargalo no combate à epidemia de Aids é a prevenção.

A queda na mortalidade se deve, segundo a ONU, a um aumento expressivo no número de pessoas tratadas com terapias antirretrovirais. Se em 2010 apenas 7,5 milhões de pessoas com HIV recebiam medicamentos — o equivalente a 22,5% da população infectada na época —, em 2015 a cobertura chegou a 17 milhões, isto é, 46% dos infectados. A marca ultrapassou em dois milhões a meta da ONU para o ano.

No entanto, a queda no índice de mortes poderia ser bem maior caso novas infecções tivessem sido evitadas nos últimos cinco anos. O coordenador de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Veriano Terto Jr., critica o fato de o relatório do Unaids, Programa das Nações Unidas para a Luta contra a Aids, incentivar que parte expressiva dos investimentos globais seja no tratamento, e não na prevenção do vírus.

— Se as políticas públicas enfatizarem apenas o tratamento, deixando os programas de prevenção como secundários, não será possível controlar a epidemia de Aids em 2030, como a ONU estipula — afirma ele. — Não se pode achar que o medicamento é uma bala mágica, que resolverá todos os problemas. É preciso educação sobre DSTs (doenças sexualmente transmissíveis).

Ele faz uma analogia com a situação da sífilis no Brasil. Os casos da doença não param de crescer, apesar de já existir medicamento poara tratá-la desde 1927.

— Não é a existência do medicamento, pura e simplesmente, que fará as pessoas não contraírem a doença e não sofrerem com ela. É preciso fortes políticas públicas de prevenção para combater doenças como a sífilis e a Aids — avalia Terto Jr.

DESIGUALDADE DE GÊNERO - Segundo o relatório, o grupo de maior risco para o HIV é o de jovens e adolescentes, sobretudo entre a população feminina. Mulheres de 15 a 24 anos representaram 20% das novas infecções em 2015, apesar de serem apenas 11% da população contaminada. De acordo com o Unaids, desigualdade de gênero, pobreza, violência e obstáculos para educação das mulheres e para o acesso a serviços de saúde reprodutiva estão na raiz dessa vulnerabilidade maior.

O objetivo da ONU é alcançar, até 2020, o modelo conhecido como “90-90-90”: diagnosticar 90% dos infectados pelo HIV, oferecer terapias antirretrovirais para 90% dessas pessoas, e alcançar supressão viral em 90% dos pacientes que recebem o tratamento.

BRASIL: 12 MIL MORTES em 2014 - Um mecanismo de prevenção que deve ser aprovado ainda este ano para uso no Brasil é a profilaxia pré-exposição (PrEP), uma pílula que reúne dois antirretrovirais — o tenofovir e a emtricitabina — e que pode ser tomada diariamente ou antes de uma relação sexual para evitar a contaminação pelo vírus. A ideia é que ela seja indicada para pessoas que se relacionam com quem tem HIV e para homens que fazem sexo com homens, grupo que reúne a maior parte dos infectados no país. Essa pílula já é aprovada nos EUA e na Europa.

— Há estudos indicando que a PrEP chega a ser mais eficaz do que a camisinha, mas quem for tomá-la precisa de acompanhamento médico, porque pode provocar efeitos colaterais — diz Paulo Abrão, professor de Infectologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

O Brasil registrou 40 mil novos casos e 12 mil mortes em 2014, último ano com dados divulgados. Ambos índices se mantêm estáveis em comparação com 2010. Para José Valdez Madruga, coordenador do Comitê Científico de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o estigma ainda é uma das principais barreiras no país.

— Existe muito preconceito com a testagem, o que acaba atrasando o diagnóstico e, assim, o início do tratamento.

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