Alguns velaram, outros enterraram sem sequer dizer adeus. Alguns nem souberam da tragédia. Outros sentiram como se a perda fosse de parente próximo.
Há algum tempo meu sonho de escritor foi realizado. Logo após meu primeiro livro ter sido premiado num concurso literário. Depois veio o livro impresso; aquele cheiro que ficou preso a minha memória de um jeito tão singular. O livro estava vivo.
Era uma realização pessoal, mas mais do que isso era o lançamento de uma vivência-história no mundo das ideias. Não era apenas minha porque eu dividia com um mundo de uma forma espontânea e comprometida, embora eu não soubesse perfeitamente como estas formas se relacionavam entre si e comigo. Mas o tempo ensinou.
Mas não é sobre este mister que pretendo falar, preciso registrar a importância de agentes culturais que dedicam suas vidas a editar. Estou falando de duas casas editoras que fecharam suas portas recentemente: A Editora Malagueta e a Editora Escândalo. Dois nomes fortes, escolhidos entre um momento de criação, outro de desejo, anseio. Mas um nome ao ser criado está além de qualquer simbologia linguística rasa. O nome é uma saudação ao mundo, um lugar de fala.
A Editora Malagueta existiu por mais de 6 anos, capitaneada pelas experientes Laura Bacelar e Hanna Korich. Viveu este período não apenas publicando, mas agenciando escritoras lésbicas a divulgarem suas obras, suas histórias. Foram anos de atividades lutando pela existência de uma literatura específica como forma de protesto ou militância intelectual. A inquietação, a existência, a vivência, as conquistas das lésbicas foram romanceadas de forma altiva e com qualidade. Engana-se quem pensa que a Editora Malagueta era apenas uma Editora. As brejeiras eram mais do que editoras, eram agentes culturais e não se fechavam apenas no mundo lésbico. Abriam para o debate. Recordo-me de em 2009 ou 2010, quando fui a Off-Flip lançar Adeus a Aleto, Laura e Hanna foram as primeiras a adquirirem meu livro. Foram prestigiar um escritor gay numa feira tradicional, pois sabiam como era difícil e importante performar aquele papel dentro daquele espaço. E não bastasse a visita e o apoio, convidaram-me para uma roda de conversas lá na Flip para discutir literatura LGBT. Fiquei muito feliz com este “apadrinhamento”. Anos depois recebi convite da Laura para participar da primeira feira LGBT do Brasil em São Paulo. A Malagueta não era apenas uma Editora, era um local de representação da homoafetividade. Laura e Hanna sempre tiveram uma fala de reivindicação de direitos por meio de uma literatura viva e representativa de nossos anseios.
Do meu sonho inicial; o livro pronto veio por meio da Editora Escândalo. Sonho também de uma escritora que via qualidade em algumas produções literárias específicas. Fiquei tão feliz quando Giselle Jacques desejou que Adeus a Aleto fosse o primeiro livro da Editora Escândalo. Eu nem tinha ainda me tornado sócio dessa empreitada. Eu era apenas um escritor. Um escritor a procura de divulgação, de vontade de não apenas realizar um sonho pessoal, mas partilhar meu mundo particular. Giselle, também, foi mais do que uma Editora; foi uma mãe ao entender com propriedade esta missão e cumprir com sangue, suor e, agora, lágrimas este sonho de publicar autores LGBT. Foram 4 anos de atividades nas quais também o agenciamento de atores e promoção de eventos culturais relacionados à cultura LGBT foram promovidos. Como sócio-editor viajei o Brasil representando minha literatura e a Editora, e também cumprindo uma missão de defender a literatura com temática LGBT. Era uma causa de viver, bem como a literatura que faço.
No facebook, expressei minha dor e revolta:
“Triste e revoltado com o falecimento de Editoras tão importantes para o mercado editorial. Elas visibilizavam a cultura, a homossociabilidade LGBT; temas caros para o movimento LGBT.
Já dizia um brasilianista que o capital cultural se alimenta do que é periférico; este lhe dá vida, alimenta a criatividade.
Culpa de nós leitores e, principalmente, do Brasil que deixa a cultura; a educação relegados sei lá a que posto!”
Embora procure culpados; e embora seja contraditado neste pensamento, somos nós que deixamos estas editoras morrerem porque cada livro é um bem cultural e ele precisa de mercado, de circulação, precisa de consumidores. E se os leitores em geral não assumem a culpa, eu assumo: deveria ler mais literatura LGBT. No entanto, eu sozinho não daria conta de continuar um sonho sonhado por muitas pessoas, no caso aqui: quatro!
Eu me sinto órfão. Vejo-me dando adeus a quem amo numa plataforma de trem, perdida num tempo bem recente, sabendo para onde o trem vai, mas acomodado com o que criei e não deixo de lado. Elas partem para lugares diferentes; vão parar em estações distintas. Porém elas sabem onde nos encontrar, e por outro lado, se fizermos um esforço, também saberemos onde encontrá-las.
Até logo Meninas!
Link sobre a Dissertação de Mestrado que realizei sobre Mercado Literário LGBT: aqui
Sobre o autor:
Roberto Muniz Dias é romancista, contista, poeta, artista plástico e mestre em Literatura pela UNB (Universidade de Brasília). Os textos desse escritor piauiense, de Teresina, são intensos, dramáticos e cheios de vaivens atemporais. De uma tal profundidade de sentimentos que arrebatam o leitor já nas primeiras linhas. Também formado em Direito, integra a Comissão de Tolerância e Diversidade Sexual da 93ª Subseção de Pinheiros da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional São Paulo. Foi premiado pela Fundação Monsenhor Chaves com menção honrosa pela obra “Adeus Aleto”. Publicou ainda “Um Buquê Improvisado”, “O Príncipe - O Mocinho ou o Herói podem ser Gays” ; Errorragia: contos, crônicas e inseguranças; Urânios e recentemente lançou seu mais novo romance: A teia de Germano.
VEJA MAIS: http://mixbrasil.xpg.uol.com.
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Enviado por: Roberto Dias
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