Caso Kaique traz à tona direitos humanos da população T: travestis e transexuais
A data, comemorada em 29 de janeiro, evidencia a queixa da população T, de que mesmo o movimento LGBT tem pesos e medidas diferentes para tratar casos de violência contra gays e aqueles que vitimam travestis e transexuais
Reprodução/Facebook
No dia 21 de janeiro, a cabeleireira Isabel Cristina Batista, mãe de Kaique, afirmou em entrevista coletiva que não acredita mais na hipótese levantada inicialmente de que ele teria sido vítima de um ataque homofóbico. Pedindo desculpas aos policiais, acatou a versão de que seu filho cometera suicídio.
A transexual paraibana Renata Peron, de 36 anos, aplaude a iniciativa do movimento LGBT, da imprensa e da população que se solidarizou com a morte do menino gay e pressionou para que o caso fosse solucionado rapidamente. Mas questiona: por que o movimento não dá a mesma importância para as ocorrências violentas que vitimam travestis e transexuais? “O movimento LGBT não se preocupa e não dá tanta visibilidade para a grande maioria dos casos de violência que atingem travestis e transexuais”, afirma ela. “Não estou contra o movimento e a repercussão nacional do caso Kaique, que saiu até no 'Jornal Nacional'. Só quero que ele dê a mesma importância para nós.”
Reprodução/Facebook
CURTA A PÁGINA DO IGAY NO FACE
Nascida na Paraíba, mas criada no interior da Bahia, Renata nunca pôde usar o figurino feminino enquanto viveu no sertão nordestino. “No lugar em que eu vivia, se vestir como mulher era perigoso, muita gente tomava pedrada e morria por causa disso. Eu só fui fazer isso quando vim para São Paulo, antes eu fingia ser uma pessoa que não era”, revela a cantora.
"A GENTE MORRE AOS MONTES"
Em São Paulo ela encontrou condição de assumir sua verdadeira identidade sexual, mas ainda vê muita violência à sua volta. “A gente morre aos montes e não vê solução alguma e nem reivindicação. Não desperta o mesmo interesse de quando tem um gay na jogada. Vocês da imprensa são testemunha disso. Quando é com travesti nem se comenta que foi assassinada, que foi violentada”, reclama. “Essas pessoas não têm pai e nem mãe que exigem uma solução, assim como o Kaique tinha a mãe dele que foi à luta. Se não tem cobrança, a polícia faz vista grossa também e não dá nenhuma justificativa. Morreu, morreu, pronto, acabou. Cabe a nós, do movimento, fazer essa cobrança. Mas em certos casos não temos resposta nem do poder público e nem do movimento. Enquanto militante, isso me revolta e me frustra. Por que com uns é de um jeito e com outros não? As diferenças têm que cair por terra.”
UNS BONS DRINK
A travesti Luisa Marilac, aquela que ficou famosa depois do video dos "bons drink", declarou ao iGay que a violência é uma constante em sua vida. Sofreu abuso sexual aos oito anos de idade, ainda em sua cidade, em Minas Gerais. Anos mais tarde, já em São Paulo, foi esfaqueada por um desconhecido em um bar, e ainda foi maltratada pelo médico que a atendeu na emergência. "Na mesa de cirurgia, ele falava: ‘Se você estivesse dentro de casa, isso não teria acontecido’”. E mesmo assim ela ainda pode se considerar sortuda. "Perdi as contas de quantas amigas eu enterrei."
Felipe Lopez
Reprodução
E sinais dos “dois passos para trás” seriam os ataques às travestis e às transexuais e a falta de uma defesa mais contundente dos direitos humanos dessa população. O problema começa já na escola, onde a incompreensão sofrida por parte de professores e colegas faz com que as travestis e transexuais, muitas ainda em fase de transição, deixem de frequentar cedo as aulas. Como consequência, elas têm dificuldade de se encaixar no mercado de trabalho, e ficam vulneráveis à exploração sexual e à violência. Segundo o Grupo Gay da Bahia, foram documentados 128 assassinatos de travestis no Brasil em 2012.
Reprodução
Nas redes sociais do joven, Kaique posa ao lado da drag queen Dimmy Kieer, o Dicesar do BBB 10
Kaique Augusto dos Santos caiu
do viaduto 9 de Julho, no centro de São Paulo, na madrugada de 11 de
janeiro. No dia 17, o Largo do Arouche, na mesma região central da
cidade, foi ponto de concentração de manifestantes que protestaram contra a morte brutal do jovem. Com cartazes e faixas, o grupo de cerca de 200 pessoas pedia que o caso fosse esclarecido pelas autoridades. No dia 21 de janeiro, a cabeleireira Isabel Cristina Batista, mãe de Kaique, afirmou em entrevista coletiva que não acredita mais na hipótese levantada inicialmente de que ele teria sido vítima de um ataque homofóbico. Pedindo desculpas aos policiais, acatou a versão de que seu filho cometera suicídio.
A transexual paraibana Renata Peron, de 36 anos, aplaude a iniciativa do movimento LGBT, da imprensa e da população que se solidarizou com a morte do menino gay e pressionou para que o caso fosse solucionado rapidamente. Mas questiona: por que o movimento não dá a mesma importância para as ocorrências violentas que vitimam travestis e transexuais? “O movimento LGBT não se preocupa e não dá tanta visibilidade para a grande maioria dos casos de violência que atingem travestis e transexuais”, afirma ela. “Não estou contra o movimento e a repercussão nacional do caso Kaique, que saiu até no 'Jornal Nacional'. Só quero que ele dê a mesma importância para nós.”
Reprodução/Facebook
Renata Peron, transexual paraibana, é cantora
Ela própria foi vítima de um crime de ódio. Em 2007,
na Praça da República, foi atacada por um grupo de nove homens e levou
uma facada. “Fui agredida simplesmente pela intolerância desses caras e
perdi um rim. Fui atrás de uma solução, resgatei as imagens da câmera de
segurança, mas estava escuro, a câmera filmou o grupo, mas não
especificamente o agressor. Não tinha como reconhecê-lo e ficou por isso
mesmo.”CURTA A PÁGINA DO IGAY NO FACE
Nascida na Paraíba, mas criada no interior da Bahia, Renata nunca pôde usar o figurino feminino enquanto viveu no sertão nordestino. “No lugar em que eu vivia, se vestir como mulher era perigoso, muita gente tomava pedrada e morria por causa disso. Eu só fui fazer isso quando vim para São Paulo, antes eu fingia ser uma pessoa que não era”, revela a cantora.
"A GENTE MORRE AOS MONTES"
Em São Paulo ela encontrou condição de assumir sua verdadeira identidade sexual, mas ainda vê muita violência à sua volta. “A gente morre aos montes e não vê solução alguma e nem reivindicação. Não desperta o mesmo interesse de quando tem um gay na jogada. Vocês da imprensa são testemunha disso. Quando é com travesti nem se comenta que foi assassinada, que foi violentada”, reclama. “Essas pessoas não têm pai e nem mãe que exigem uma solução, assim como o Kaique tinha a mãe dele que foi à luta. Se não tem cobrança, a polícia faz vista grossa também e não dá nenhuma justificativa. Morreu, morreu, pronto, acabou. Cabe a nós, do movimento, fazer essa cobrança. Mas em certos casos não temos resposta nem do poder público e nem do movimento. Enquanto militante, isso me revolta e me frustra. Por que com uns é de um jeito e com outros não? As diferenças têm que cair por terra.”
UNS BONS DRINK
A travesti Luisa Marilac, aquela que ficou famosa depois do video dos "bons drink", declarou ao iGay que a violência é uma constante em sua vida. Sofreu abuso sexual aos oito anos de idade, ainda em sua cidade, em Minas Gerais. Anos mais tarde, já em São Paulo, foi esfaqueada por um desconhecido em um bar, e ainda foi maltratada pelo médico que a atendeu na emergência. "Na mesa de cirurgia, ele falava: ‘Se você estivesse dentro de casa, isso não teria acontecido’”. E mesmo assim ela ainda pode se considerar sortuda. "Perdi as contas de quantas amigas eu enterrei."
“O travesti toma muito mais porrada que o gay. O
gay, quando quer ser homem, ele se esforça e 'passa' homem. Eu sou o que
sou 24 horas por dia." (Luisa Marilac)
O
preconceito, diz ela, é muito pior para travestis do que para gays. "O
travesti toma muito mais porrada que o gay. O gay, quando quer ser
homem, ele se esforça e 'passa' homem. O travesti já não, é obrigado a
suportar o preconceito, a violência, não tem como se esconder. Eu não me
escondo de ninguém, sou o que sou 24 horas por dia." A violência, ela
conta, vem na forma de maltrato, xingamento, pedradas. "Essa semana
mesmo eu fui agredida, tentaram me roubar, me jogaram pedra. Estou com
as pernas inchadas. A polícia não faz nada pelos travestis, eles são os
primeiros a demonstrar preconceito."Felipe Lopez
Luisa Marilac: "Eu não me escondo de ninguém, sou que sou 24 horas por dia"
“Essas pessoas não
têm pai e nem mãe que exigem uma solução, assim como o Kaique tinha a
mãe dele, que foi à luta. Se não tem cobrança, a polícia faz vista
grossa." (Renata Peron)
DIA DA VISIBILIDADE TRANSReprodução
Dia 29 de janeiro é o dia da visibilidade trans
Em 29 de janeiro se comemora o Dia Nacional da Visibilidade Trans.
Renata está engajada em organizar e participar de vários eventos
relacionados à data. “O Brasil é um país que dá um passo para frente e
dois para trás”, analisa ela. “Melhora numa questão e piora em outra.”
Um passo adiante teriam sido as leis que defendem a comunidade LGBT,
como a 10.948, de 2001, que visa proteger os “cidadãos homossexuais,
bissexuais e transgêneros” de “ação violenta, constrangedora,
intimidatória ou vexatória”, e punir todo tipo de discriminação. Mais
recentemente, o projeto de lei que propôs a adoção do nome social das
travestis e transexuais em documentos oficiais no Estado de São Paulo.E sinais dos “dois passos para trás” seriam os ataques às travestis e às transexuais e a falta de uma defesa mais contundente dos direitos humanos dessa população. O problema começa já na escola, onde a incompreensão sofrida por parte de professores e colegas faz com que as travestis e transexuais, muitas ainda em fase de transição, deixem de frequentar cedo as aulas. Como consequência, elas têm dificuldade de se encaixar no mercado de trabalho, e ficam vulneráveis à exploração sexual e à violência. Segundo o Grupo Gay da Bahia, foram documentados 128 assassinatos de travestis no Brasil em 2012.
Reprodução
Semana de eventos celebra o dia da visibilidade trans, em 29 de janeiro
“Ainda criam caso com a gente, querem segregar, mesmo
em questões básicas como o uso dos banheiros públicos. Ou colocam a
gente nos banheiros de deficientes ou, conforme sugestão de muitos,
querem criar o terceiro banheiro, o das travestis. Se sua identidade de
gênero é feminina, por que tem que usar outro banheiro?”, questiona
Renata.
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