Luiz
Loures, diretor-adjunto do Unaids, diz ao "O GLobo" que se o Brasil
manejar aids entre gays, estará perto do fim da epidemia
29/10/2013 - 17h30
O diretor executivo-adjunto do Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV e Aids (Unaids), o ,
brasileiro Luiz Loures
alertou durante entrevista concedida ao jornal carioca O Globo para
a volta do crescimento da doença entre homossexuais. Ele pede revisão
de parâmetros de tratamento no país e no mundo. Leia na íntegra.
O
vice-diretor do Programa Conjunto das Nações Unidas para o HIV/Aids
(Unaids), o brasileiro Luiz Loures, é um homem com uma missão: decretar o
fim da epidemia até 2030. Não da aids, como ele sempre gosta de frisar,
mas da epidemia da doença. Para o infectologista, basta olhar para os
grandes avanços obtidos tanto na prevenção quanto no tratamento nas
últimas décadas. O número de novos casos, para se ter uma ideia, caiu em
um milhão em menos de dez anos. E a quantidade de gente em tratamento
cresceu exponencialmente no mesmo período. Surpreendentemente, no
entanto, a infecção volta a crescer no mundo inteiro entre os
homossexuais masculinos — o primeiro grupo a ser atingido em cheio pela
doença e também o primeiro a dar uma resposta social ao problema.
Segundo Loures, para que sua meta seja cumprida, é preciso repensar as
estratégias de combate à aids.
O senhor costuma ser otimista. Acha que até 2030 já poderemos falar no fim da epidemia?
Eu
sou um otimista mesmo. Acho que até 2030 já podemos estar falando em
fim da epidemia. Não no fim da aids, claro. Mas da epidemia. Para isso,
no entanto, é preciso haver renovação nas estratégias de combate à
doença. É como se a epidemia, de certa forma, estivesse se adaptando aos
progressos que fizemos. Então, temos que inovar.
De que forma?
Precisamos
mudar a rotina de tratamento, tratar imediatamente a população mais
vulnerável. Não esperar a contagem das células CD4 (células do sistema
imunológico) cair, mas tratar imediatamente. Já sabemos hoje que o
tratamento é importante para a sobrevida e a qualidade de vida do
paciente, mas também como forma de prevenção. Quem se trata não
transmite. Felizmente, claro, não temos pessoas morrendo de Aids o tempo
todo. Mas, por conta disso, a percepção de risco de um jovem gay hoje
não é a mesma dos anos 80 e 90. Então temos que adaptar as estratégias.
Há
uma tendência global de aumento da doença entre os gays. Por que isso
está ocorrendo justamente entre o grupo que primeiro foi mais atingido e
que respondeu bem à epidemia nos anos 80?
Eu
não sei. Devolvo a pergunta para você. Falta a inserção do assunto como
prioridade para a comunidade gay. E só faz aumentar. Está acontecendo
na Europa, nos Estados Unidos, na China e na África. A tendência é
ascendente em toda parte. É preciso que o tema seja tratado com a
importância que tem. Há muita ênfase no debate sobre o casamento gay e
pouca para esta questão.
A discussão sobre o casamento gay em várias partes do mundo não é um avanço? Não é um sinal da redução da discriminação?
É
claro que é um avanço. Mas, com toda a discussão que está rolando hoje
no mundo, não há evidência da redução da discriminação, pelo menos não
entre aqueles sujeitos mais vulneráveis. Na última reunião da
Organização Mundial de Saúde (OMS) houve uma proposta de se colocar como
um item da agenda a questão da saúde LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e
transgêneros). E não passou. Houve um bloqueio. O casamento gay é um
avanço social muito importante. Mas por que não conseguimos também
discutir a saúde como um item de agenda da OMS? É um paradoxo.
É uma surpresa essa tendência de aumento da epidemia entre os homossexuais?
Não
sei se é surpresa. Talvez nem seja. Os fatores que contribuem para isso
continuam existindo e levando a epidemia à frente. Para se ter uma
ideia, os países que mais recebem dinheiro internacional para a Aids são
os mesmos que criminalizam a relação entre pessoas do mesmo sexo —
alguns deles, inclusive, com pena de morte. Meus amigos gays vão me
matar por dizer isso, mas a verdade é que precisamos de mais
engajamento. Fora isso, eu não tenho outra coisa a fazer a não ser
propor uma nova estratégia de tratamento.
Inclusive para o Brasil? Há também uma tendência de aumento da doença entre os jovens homossexuais no país?
Sim.
No Brasil, cerca de metade dos novos casos da doença ocorre entre
homossexuais jovens. E o país, que foi o pioneiro na universalização do
tratamento, tem agora uma nova possibilidade concreta de ser o primeiro
país do mundo a decretar o fim da epidemia; se conseguir manejar a
questão entre os gays. E isso é uma chance histórica, uma oportunidade
única.
Qual
seria o impacto para o país de passar a tratar imediatamente a
população de risco que testasse positivo? O país tem como arcar com
isso?
Isso
representaria, no Brasil, umas 100 mil pessoas a mais. Atualmente,
cerca de 300 mil recebem o coquetel. O país tem como arcar com isso.
Precisamos que o Brasil, mais uma vez, seja pioneiro e que seja o
primeiro país do mundo a começar a tratar imediatamente todas as
populações vulneráveis.
Fonte: O Globo
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