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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Informe ENSP: Controle de Estado brasileiro inibe participação na saúde

 VIA FONAIDS
Filipe Leonel

O "fordismo tardio brasileiro" impulsionado pelo governo Lula, a partir de 2005, promoveu a inclusão social pelo consumo, não pelo direito ou pela ação política, segundo o sociólogo Rudá Ricci. Em sua análise, esse modelo de estrutura estatal reduz os espaços de oposição - o que remete ao controle das mobilizações e resistências sociais, assim como das articulações sociais para ampliar direitos. Tal estratégia, de acordo com ele, que integrou a mesa Os movimentos sociais participam das políticas de saúde?, durante a semana comemorativa dos 59 anos da ENSP, na quarta-feira (4/9), pode justificar a resposta negativa ao tema proposto pelo evento. A atividade foi coordenada pelo pesquisador Eduardo Stotz e contou com o psicólogo e ativista social Carlos Basília.
 

Ao fazer uma leitura das discussões propostas ao longo da semana Sergio Arouca, o coordenador da mesa destacou o encontro de gerações promovido pelos que participaram do movimento da Reforma Sanitária com a nova geração que está nas ruas do país. Stotz apresentou um balanço autocrítico, no qual constatou que o Sistema Único de Saúde não está mais em construção. Tal diagnóstico, na opinião dele, aponta para os desafios do presente e para o vínculo que deve ser estabelecido com as lutas sociais em curso. "As duas gerações se encontram no mesmo pé diante dos impasses e desafios do sistema. Temos de reinventar caminhos para essa situação, sem, necessariamente, nos prendermos ao conhecimento acumulado."

As recentes manifestações de junho de 2013 recriaram uma série de condições para se refletir a respeito do papel dos movimentos sociais e sua relação com a saúde, segundo Rudá Ricci. Mestre em ciências políticas e doutor em ciências sociais, ele comparou as mobilizações do século XX, caracterizadas pela predominância do coletivo e da participação ativa em prol de uma causa ou organização política, com a situação atual: reconhecida pela preservação da individualidade. “As manifestações de junho foram pluriclassistas, não expressaram interesse de classe. Foram lideradas por jovens de 25 a 30 anos, de classe média tradicional, mas que contaminaram a população brasileira inteira”, admitiu.

A emergência do poder e da capacidade de expressão popular ganharam destaque na década de 1980. Houve uma espécie de “poder simbólico da população”, que, de acordo com o palestrante, não se traduziu em uma reforma de estado. “Havia o discurso de que queríamos uma revolução, mas não se discutia que estado novo era esse e qual seria o subproduto dessa revolução. E pagamos caro por isso nos anos 1990”, refletiu.

A experiência do SUS deve ser universal

Uma revolução importante nessa época, mas que se espelhou na estrutura do estado burocrático brasileiro, foi a Reforma Sanitária. Apesar de enaltecer a participação dos movimentos populares na criação do SUS, Ricci deixou claro o papel dos sanitaristas – “que não mobilizavam a massa” – na Reforma. “Nos anos 1980, tínhamos a condição de ir além na construção de um novo Estado, mas, por incapacidade de formulação, ou por estarmos embebidos numa lógica ativista, não demos o salto que necessitávamos. Alguns setores conseguiram isso, como foi caso do SUS. Não era hora de falar só da saúde. Era o momento de falarmos de um sistema único de educação, de sistema de assistência social, das estruturas de gestão pública e territorial, mas ficamos só na saúde. O problema é que a gente se espelhou na estrutura de estado burocrático brasileiro.”

E completou: “Estamos atrasados. Não há conversa com a educação ou com a assistência social. De fato, queremos radicalizar a experiência da saúde, mas não entendemos que devemos radicalizar é a democratização da gestão da política pública no Brasil. Não só da saúde! A experiência adquirida no movimento sanitário tem de ser, de fato, universal, não de uma área apenas. Mas não conseguimos ir muito além do nosso quadrado.”
 

O sociólogo disse que os jovens das manifestações de junho se revelaram o oposto da nova geração de gestores públicos, que se inspiram em práticas empresariais, não fazem política e não sabem negociar ou mediar conflitos. “Os jovens das manifestações de junho ignoram o campo institucional e rejeitam a política como profissão”. No entanto, o estrato da população que conseguiu a inclusão social pelo consumo é absolutamente conservador nos seus valores. “As lutas populares hoje são de elite. As pesquisas qualitativas dos últimos cinco anos revelam que são fundamentalistas, não gostam de sindicato e até na religião são utilitaristas. Já a parcela que subiu de renda tem um histórico familiar de pobreza e exclusão. Não possuem noção de direito. O direito é universal; o interesse é coletivo; e a necessidade é individual. Eles, no máximo, atingem a noção de interesse. Por que não tiveram a herança dos anos 1980? Porque o governo lulista abdicou de fazer um debate ideológico.”

Após essa constatação, Ricci afirmou que justificaria o porquê de os movimentos não discutirem o SUS. Antes disso, classificou o governo lulista como um estado fordista fora de hora. “Foi o único governo desde a redemocratização que gerou renda e melhoria no consumo, e isso justifica o voto”, disse. Para ele, o desenho do fordismo lulista mantém o Estado como financiador e orientador do capital e sustentação do mercado interno, introduz o financiamento de organizações populares e de representação de massas e reduz os espaços de oposição. “O Estado entra nos poros da população e engessa a nossa capacidade de pensar o todo”, finalizou.

O psicólogo e coordenador técnico da área de tecnologia social do Observatório TB Brasil, Carlos Basília, disse ter dúvidas sobre até quando as manifestações provocarão uma mudança no cenário político brasileiro. Para ele, no primeiro momento, houve um susto em relação ao movimento, mas já há uma acomodação.

Na opinião de Carlos, que é componente do Fórum de Movimentos Sociais da ENSP, vários elementos de indignação envolvendo corrupção de políticos, o descaso com a população e a falta de ética dos governantes motivaram as reações. “São vários os elementos de indignação. A sociedade civil não se vê representada pelos seus governantes. A ética foi colocada abaixo. Vivencio hoje a luta por fazer valer os princípios válidos na Reforma Sanitária. Vivemos uma crise de participação.”
 
 


Roberto Pereira
Centro de Educação Sexual - CEDUS
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