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quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Diversidade Católica: O papa e os gays: o que muda?

Diversidade Católica: O papa e os gays: o que muda?: Que bom ver a entrevista do papa Francisco repercutindo no mundo: “se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para...

terça-feira, 6 de agosto de 2013

O papa e os gays: o que muda?


Que bom ver a entrevista do papa Francisco repercutindo no mundo: “se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?” - foi a frase estampada em muitos jornais e noticiários. Houve muitos comentários entusiastas, algumas reticências e até quem afirmasse que nada mudou. Cabe avaliar o que mudou e em que medida.

A principal mudança é um papa utilizar o termo ‘gay’. Por muitos séculos no ocidente, o termo usado para se referir àquele tipo de pessoa era ‘sodomita’. É uma referência ao relato bíblico do pecado de Sodoma: a tentativa de estupro que os habitantes desta cidade fizeram aos hóspedes do patriarca Ló. Esta atitude nada tem a ver com o amor entre pessoas do mesmo sexo, ou mesmo com relações sexuais livremente consentidas entre pessoas adultas. Mas, por razões outras, Sodoma se tornou o símbolo do homoerotismo pecaminoso que atrai o castigo divino, sob a forma de catástrofes naturais. No século 19, surgiu o termo ‘homossexual’ para tratar desta questão fora da perspectiva religiosa ou moral. Porém, a homossexualidade foi logo considerada doença. E, no ensinamento atual da Igreja, é uma inclinação desordenada que pode conduzir a atos igualmente desordenados e contrários à lei natural.

A medicina hoje não considera mais a homossexualidade como doença. Os movimentos sociais, porém, empregam o termo gay (originalmente alegre), para evocar a autoestima das pessoas com esta condição, bem como para reivindicar liberdade e igualdade de direitos. Na doutrina católica, por sua vez, este termo tem um sentido negativo. Um candidato ao sacerdócio que apóia a ‘cultura gay’ não pode ser ordenado. Portanto, um papa se referir publicamente à pessoa ‘gay’, indica uma mudança no horizonte de compreensão desta realidade. 

Francisco também cita o Catecismo da Igreja Católica para dizer que não deve haver marginalização destas pessoas na sociedade, mas integração, pois todos são irmãos. Ao ser perguntado por que não havia falado no Brasil sobre o casamento gay e o aborto, o papa justificou que a posição da Igreja nestes assuntos já é conhecida, e não havia necessidade de insistir. Ele preferiu falar de “coisas positivas que abrem caminho aos jovens”. Portanto, a ênfase está na dimensão positiva da mensagem cristã e não na reiteração de proibições. Aliás, o papa Bento XVI já havia dito que o cristianismo não é um conjunto de proibições, mas uma opção positiva. No entanto, ele não avançou neste caminho. O seu sucessor agora o faz.

Entre as objeções à entrevista de Francisco, está a menção ao Catecismo. Isto engessaria a questão, pois só há lugar na Igreja para o gay celibatário. Não é assim. A castidade, entendida como a correta integração da sexualidade na pessoa, é um caminho gradual, um crescimento pessoal em etapas (nº2343). Não é o reino do tudo ou nada. São reconhecidos casos em que a tendência homossexual não é opção da pessoa, e circunstâncias em que ela é compelida a agir de modo homossexual, sem culpa alguma (Homosexualitatis problema, nº11). Daí a importância do que diz o papa Francisco: a pessoa gay que busca a Deus e tem reta intenção não deve ser julgada por ninguém, nem mesmo pelo papa. Ninguém tem o direito de oprimi-la com assédio moral ou com terrorismo espiritual. E esta pessoa pode ser muito encorajada por uma afirmação do Catecismo: o primeiro de todos os representantes de Cristo é a consciência de cada um (nº1778).

Outra objeção é a defesa que o papa faz da família formada pela união heterossexual. Este modelo de família seria o único legítimo. Convém notar o elogio de Francisco à mulher paraguaia: “a mais gloriosa da América Latina”. Após a Guerra do Paraguai (1864-1870), sobraram oito mulheres para cada homem, e essas mulheres fizeram a escolha difícil e arriscada de ter filhos para salvar a pátria, a cultura e a fé. O papa elogia nada menos do que uma produção independente feita em escala nacional, ainda que em circunstâncias extremas. Estas mulheres são mais gloriosas do que todas as outras, incluindo as que vivem no modelo tradicional de família. Francisco não está contrariando a moral católica, mas está mostrando corajosamente o amplo alcance do caminho gradual na aplicação da lei moral. Isto o leva a não absolutizar um modelo familiar. Eis um exemplo muito bom para a Igreja e para a sociedade.  

A doutrina da Igreja é o seu modo de compreender o Evangelho, sempre mediado pela cultura, em uma tradição consolidada ao longo de muitos séculos. Esta doutrina já mudou em vários aspectos, e pode mudar mais. Mas isto passa pelo consenso dos bispos, interagindo com os fieis e com a sociedade. O papa é o ministro da unidade da Igreja Católica. Ele não muda as coisas com uma canetada. É ingenuidade esperar o contrário. A escolha de Francisco é um novo enfoque pastoral, explorando suas ricas possibilidades.

O que favorece este processo é a “cultura do encontro”, preconizada pelo próprio papa, onde através do diálogo todos têm algo de bom a dar, e todos podem receber em troca algo de bom. Isto requer uma Igreja que não seja ensimesmada, autorreferencial - como ele diz - mas capaz de testemunhar ao mundo um Deus que só quer o nosso bem. O que prejudica este processo são os preconceitos. E um deles, mencionado acima, é muito sutil: afirmar que só há lugar na Igreja para o gay celibatário. Esta é uma leitura rasa da doutrina, que conduz a uma simplificação perversa. Infelizmente, esta simplificação cruel tem unido religiosos ultraconservadores, de um lado; e críticos implacáveis, de outro lado. Ambos acabam alimentando um radicalismo estéril.

Convém torcer por estes bons propósitos do papa Francisco. E os que têm fé podem e devem rezar, pois não faltam resistências ferozes. Os bons ventos franciscanos hão de prevalecer.

Equipe Diversidade Católica

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