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segunda-feira, 26 de março de 2012

“Combate à aids não pode retroceder”


“Combate à aids não pode retroceder”  

Thelma de Oliveira


Artigo da presidente nacional do PSDB-Mulher, Thelma de Oliveira
Documento de mais de duas dezenas de entidades da sociedade civil brasileira voltadas para o trabalho de combate ao HIV-aids, intitulado “SOS: Governo Dilma coloca controle social da Aids em risco de extinção”, divulgado pela ABIA ( Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), é um grave alerta para todos nós, comprometidos com a luta das mulheres e do povo em geral.

De maneira lúcida e pontual, o documento revela a enorme crise que as ONGs brasileiras enfrentam, inclusive com a suspensão das atividades de algumas delas que se tornaram símbolos nacionais, como os grupos SOMOS, do Rio Grande do Sul, e os GAPA de Minas Gerais e São Paulo.

O documento aponta as razões: a falta de apoio de recursos financeiros, especialmente de governos e entidades internacionais; do próprio governo brasileiro; o clima “anti-ONGs” na sociedade e, principalmente, a ausência de um diálogo com o Ministério da Saúde. “Não recuperamos em nossa memória recente um período de tamanho distanciamento entre o Ministério da Saúde e a sociedade civil brasileira”, diz o documento.

Esse quadro é gravíssimo e não podemos nos calar. Não podemos aceitar a atual política do Ministério da Saúde que pretende definir suas próprias políticas de saúde, sem a presença e, o mais importante, a parceria, o acompanhamento e a fiscalização das entidades da sociedade civil. “A quem interessa essa debilidade da sociedade civil organizada?”, questiona apropriadamente o texto das entidades.

É um quadro absolutamente distinto do que conhecemos, o Brasil e o mundo, quando da gestão do tucano José Serra no Ministério da Saúde!

Naquela ocasião, o Programa de Combate à Aids do Brasil foi reconhecido pela ONU (Organização das Nações Unidas) como um modelo a ser seguido por todo o mundo, literalmente.

Revolucionário e inovador, o programa de Serra universalizou o tratamento anti-aids no Brasil, baixou o preço e distribuiu remédios gratuitamente, além de quebrar patentes de medicamentos, com a coragem de um homem de visão, em que os interesses da coletividade estão acima daqueles das corporações.

Nós, mulheres, não podemos aceitar qualquer retrocesso nessa política que ajudou milhares de pessoas, até porque levantamentos oficiais indicam que cerca de 35% dos soropositivos brasileiros são mulheres.

Mas quando se fala de jovens entre 13 e 19 anos no Brasil, a maior parte dos registros oficiais aponta como majoritários os casos das mulheres. Um absurdo!

E, mesmo nessa doença grave, as mulheres são as maiores vítimas e não escapam sequer de atos brutais por parte dos seus companheiros. Nada menos do que 97,5% das mulheres portadoras de aids sofreram algum tipo de violência, dos quais 72% ocorreram antes do diagnóstico da doença. Outro absurdo!

Portanto, continuaremos a cobrar uma ação mais transparente do Ministério da Saúde e uma mobilização em defesa das ONGs para que toda a política implementada na gestão José Serra não se perca por incompetência ou interesses políticos menores deste ou daquele governo.

A saúde da mulher – o pré-natal, a gravidez precoce, o exame da mama – a adoção de políticas públicas voltadas para o combate e à discriminação e à violência contra a mulher sempre foram bandeiras do nosso partido, do PSDB-Mulher.
E vamos continuar defendendo-as. O combate à aids não pode retroceder.

Thelma de Oliveira

Presidente Nacional do PSDB-Mulhe
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SOS: Governo Dilma coloca controle social da Aids em risco de extinção
 
Estamos  vivendo  uma  situação  sem  precedentes  de  desmantelamento  do  controle  social da  resposta  à  epidemia  de  HIV-Aids  no  Brasil.  O  sucesso  da  política  brasileira  sempre esteve pautado num trabalho conjunto entre Estado e sociedade civil organizada, que não apenas  cobrava  ações  efetivas  das  autoridades  –  como  foco  nos  direitos  humanos  -  mas também era protagonista no desenho e implementação das políticas. Que não se enganem os  céticos  em  relação  ao  papel  e  importância  desses  grupos:  certamente  a  crise  das associações  que  trabalham  com  o  HIV  e  mesmo  os  grupos  de  pessoas  vivendo  com  o HIV é a crise da resposta brasileira à epidemia.

Recentemente, importantes organizações dedicadas ao tema do HIV-Aids fecharam suas portas  depois  de  anos  de  serviço  público  relevante.  A  ameaça  do  fechamento  também paira sobre outras organizações históricas que enfrentam crises severas de recursos, mas que  não  nomearemos  aqui  em  respeito  às  próprias  organizações,  que  devem  decidir  o momento  e  a  forma  de  tornar  pública  suas  situações.  Algumas,  tais  como  o  Grupo SOMOS  (Rio  Grande  do  Sul),  O  GAPA  de  Minas  Gerais  e  o  GAPA  de  São  Paulo  já comunicaram publicamente a suspensão de atividades. 

Embora a atual crise não seja a primeira enfrentada por organizações desse tipo, certo é que essa é diferente, na medida em que é mais severa e mais invisível. Podemos dizer que parte da origem desta  crise reflete um recuo  financeiro da  cooperação internacional que tem sido o modelo base do financiamento das ONGs neste campo no país. A origem deste recuo tem por base dois fatores fundamentais - a crise financeira internacional dos paises desenvolvidos e a nova projeção do Brasil no cenário internacional, que coloca o país no papel de doador de recursos e não mais receptor – causando uma falsa percepção de que os problemas internos estão resolvidos. 
 
Vale dizer que esse recuo não afeta apenas as ONGs que atuam no campo do HIV-Aids, e sim  boa  parte  das  ONGs  brasileiras  que  dependiam  desse  modelo  de  cooperação internacional  para  prestar  um  valioso  papel  na  defesa  do  interesse  público  e  na  luta  por políticas  públicas  que  universalizem  direitos  e  cidadania  no  país.  Apesar  de  terem  sido fundamentais para a realização de eventos históricos como a Cúpula dos Povos durante a ECO 92 e o Fórum Social Mundial, além de terem conquistado o direito de participar de diversas  negociações  internacionais,  entre  outros  feitos,  as  ONGs  brasileiras  estão  cada vez mais reduzindo suas equipes e frentes de atuação por falta de recursos. Isso significa que  as  muitas  contribuições  e  conquistas  realizadas  em  anos  de  luta  estão  sendo retribuídas  com  silêncio  e  abandono,  ao  invés  de  um  debate  público  que  proponha alternativas reais para a sobrevivência dessas organizações.
 
Recentemente, dados evidenciam o aumento da ajuda internacional do governo brasileiro, incluindo  ações  humanitárias  e  contribuições  ao  sistema  ONU1,  equivalentes  a  US$  1,4 bilhões  nos  últimos  cinco  anos.  Não  obstante  a  importância  das  doações  brasileiras  a países  e  populações  mais  vulneráveis,  é  inaceitável  que  organizações  locais  fechem  as portas  e  deixem  de  atender  aos  brasileiros  e  brasileiras  e,  sobretudo,  estejam  impedidas de  monitorar,  cobrar,  construir  em  colaboração  e  fiscalizar  a  execução  de  políticas  em saúde  com  recursos  públicos.  A  quem  interessa  essa  debilidade  da  sociedade  civil organizada? 

O aumento do PIB brasileiro, que passa até mesmo o do Reino Unido, como sinônimo de desenvolvimento  é  uma  premissa  simplista  e  conveniente.  Excluem-se  da  equação  a renda  per  cápita,  as  fortes  desigualdades  internas,  as  situações  de  extrema  exclusão  de parte  da  população  e  a  manutenção  de  vulnerabilidades  sociais  –  terreno  fértil  para  a concentração  da  epidemia  de  AIDS  em  seu  seio.  O  Brasil,  que  brilha  nos  salões  de Genebra  e  Nova  Iorque  certamente  não  é  o  mesmo  com  o  qual  lutamos  todos  os  dias, com suas incoerências, injustiças e inadequações. Por isso ocupa o 81º lugar no índice de desenvolvimento humano.

Além da crise financeira, a outra face da moeda é a notória crise política. No campo do HIV-Aids  podemos  dizer  que  o  diálogo  da  sociedade  civil  com  o  Estado  vem  se deteriorando  e  chega  agora  a  um  momento  crítico.  O  agravamento  teve  seu  ápice  nos últimos meses, no que a imprensa tem chamado de “clima anti-ONGs”. Não recuperamos em nossa memória recente um período de tamanho distanciamento entre o Ministério da Saúde e a sociedade civil brasileira.

Concretamente podemos citar o recente episodio de censura da campanha de prevenção para o carnaval de 2012 - orientada a homossexuais - cujo  veto  partiu  unilateralmente  do  Poder  Executivo;  a  negociação  e  assinatura  de contratos  de  transferência  de  tecnologia  de  medicamentos  para  HIV  com  empresas transnacionais farmacêuticas sem transparência e na contra-corrente da histórica posição brasileira  de  uso  das  flexibilidades  de  proteção  da  saúde  pública  da  Lei  e  Patentes;  os episódios  seqüenciais  de  desabastecimentos  de  medicamentos  antirretrovirais  cujas causas não foram adequadamente esclarecidas e a perceptível (e inexplicável) ausência e clara  exclusão  de  organizações  da  sociedade  civil  brasileira  na  Conferencia  Mundial  de Determinantes Sociais de Saúde, organizada pelo Brasil em 2011.

Ademais  do  esgarçamento  das  relações  da  sociedade  com  o  Ministério  da  Saúde, assistimos perplexos ao  visível  desmonte do  Departamento de  DST  AIDS. Embora  haja uma  clara  preocupação  em  desfazer  essa  impressão,  notamos  o  desligamento  do Departamento  de  um  número  expressivo  de  pessoas  classicamente  envolvidas  na  luta contra a AIDS no país. As causas são obscuras, e também merecem esclarecimento.

A invisibilidade da crise das ONGs anti-AIDS e a supressão de sua importância encontra lastro na suposta incorporação nas políticas públicas de todas as demandas da sociedade; no argumento de que as ONGs se desvirtuaram e servem hoje apenas de instrumento de desvio de dinheiro público e na aceitação pacífica da crença de que o Brasil está em pleno desenvolvimento. Nesse contexto, a participação da sociedade civil organizada não seria um elemento supérfluo, anacrônico? 

Para  responder  a  essa  pergunta  faz-se  necessário  recuperar  um  pouco  dos  ensinamentos de  precursores  da  inteligência  brasileira  sobre  HIV-Aids  e  Direitos  Humanos.    Há  mais de vinte anos, a solidariedade foi o elemento que orientou a resposta brasileira à epidemia no  país  e  ela  não  era  apenas  vista  como  um  elemento  de  luta  contra  preconceitos  e estigmas, mas também como um princípio fundamental para a mobilização. Como dizia o sociólogo  Herbert  de  Souza,  o  Betinho,  a  Aids  não  é  um  problema  apenas  de  saúde, restrito àqueles que vivem com HIV e aos profissionais de saúde, mas sim um problema social  que  deveria  ser  enfrentado  por  diferentes  segmentos  da  sociedade  e  não  somente com ações diretas de saúde, mas também com políticas sociais.

Àquela época, o Brasil se encontrava no processo de redemocratização. Na aprovação da Constituição Cidadã,  o direito  a saúde  foi incorporado e definiu as bases para o sistema público  de  saúde  regido  pelos  princípios  da  universalidade,  equidade,  integralidade  e controle  social.  Tal  contexto  possibilitou  sinergias  na  luta  travada  no  campo  do  HIV contra o que Herbert Daniel, outro ícone da luta contra a Aids, chamava de ‘morte civil’. 

Nos vinte anos da morte de Herbert Daniel, poderíamos dizer que emerge hoje um novo conceito  de  “morte  civil”.  Àquela  época  significava  uma  restrição  de  direitos  civis durante  a  própria  vida  em  função  da  infecção  pelo  HIV.  Hoje,  podemos  considerar  a ‘morte  civil’  como  este  sufocamento  do  principio  basilar  do  SUS:  o  controle  social.  Se antes a ‘morte civil’ acontecia em decorrência da Aids, hoje ela é causadora da Aids, pois sem controle social efetivo, menores são as possibilidades de garantia de direitos para os excluídos, justamente os mais vulneráveis à infecção e para os quais a Aids se torna cada vez mais uma conseqüência da própria condição de exclusão social. Sabemos  do  papel  histórico  dos  movimentos  sociais  na  construção  da  cidadania  no Brasil.  A  preservação  dos  princípios  do  SUS  é  uma  luta  constante  e  em  permanente construção.  A  restrição  de  um  de  seus  princípios,  como  o  controle  social,  certamente afeta os demais e, por que não dizer, afeta todo o processo democrático. 

Como dizia Betinho, não cabe às ONGs brasileiras acabar com ou pretender substituir o Estado, mas colaborar para a sua democratização. Muitas ONGs que trabalham com HIV-Aids  têm  feito  isso  com  dedicação  há  pelo  menos  trinta  anos  e  não  é  por  outro  motivo que o programa de Aids do Brasil é considerado um dos melhores do mundo. Enquanto essas  organizações  ajudavam  a  construir  as  bases  desse  programa,  eram  chamadas  de parceiras. Agora, quando tentam colaborar de  forma ativa para seu bom funcionamento, são sumariamente ignoradas. Além disso, no momento em que o enfraquecimento dessas organizações  é  mais  latente,  o  silêncio  impera.  No  entanto,  as  ONGs-Aids  ainda  têm muito  que  dizer,  fiscalizar,  propor  e  defender.  Nem  que  seja  em  mensagens  coladas  em portas fechadas. Não queremos sentir nostalgia dos dias em que o controle social existia de fato, queremos que as autoridades que agem com descaso frente ao desmantelamento desse principio sintam vergonha proporcional à ofensa que isso representa à democracia brasileira e à todos que lutaram por ela.

 
Rio de Janeiro, março de 2012

ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids)
GIV (Grupo de Incentivo à Vida)
GRAB (Grupo de Resistência Asa Branca)
GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids) - RS
GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids ) – PA
GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids ) - SP
GESTOS – Soropositividade, Comunicação e Gênero
Grupo Pela Vidda – RJ
GTP + (Grupo de Trabalho em Prevenção Posithivo) 
Fórum de ONGs Aids – SP
Fórum de ONGs Aids – RJ
Fórum Paranaense de ONGs-Aids
RNP+ (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids) - RS
RNP+ (Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids) - RJ
MNCP+ (Movimento Nacional das Cidadãs Positivas) - RS
MNCP+ (Movimento Nacional das Cidadãs Positivas) - MG
MNCP+ (Movimento Nacional das Cidadãs Positivas) - PR
+ Criança
Grupo de Apoio à Criança Soropositiva
Libertos Comunicação
Aviver
Aneps
CEDUS (Centro de Educação Sexual) - Rio de Janeiro
Articulação Aids da Bahia
Grupo Água Viva - Centro de Referência e Prevenção das DST/AIDS
Grupo Assistencial SOS VIDA
REDE LATINO AMERICANA E CARIBENHA DE AÇÕES VOLUNTARIAS DE
COMBATE AO HIV/AIDS - REDLACV0+
Grupo Otimismo de Apoio ao Portador de Hepatite
Fórum de ONGs Aids – MG
CEDAPS (Centro de Promoção da Saúde)

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