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sábado, 13 de novembro de 2010

Rocinha tem média de casos de tuberculose semelhante a Paquistão

11/11/2010

Rocinha tem média de casos de tuberculose semelhante a Paquistão

 
Veja o video / reportagem
 

O número oficial é de 70 mil casos de tuberculose ao ano em todo país. Pelo preconceito, pela falta de informação e pelo abandono, o número real deve ser muito maior e beira os 100 mil, segundo pesquisadores.

O número oficial é de 70 mil casos de tuberculose ao ano. Mas médicos e pesquisadores não hesitam em afirmar que o número real é muito maior e beira os 100 mil. Isso é resultado do preconceito, da falta de informação e do abandono. Na segunda reportagem da série especial Doença do Silêncio, você vê a ameaça sempre presente da tuberculose.
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“O pulmão parece que tem uma ferida aberta, sei lá, uma coisa assim”, diz uma senhora. “Os ossos parecen que estão se desmanchando, porque dói”, afirma um rapaz. “É muito triste você perder uma pessoa - mãe, ou filho ou irmão - de uma doença curável”, declara a agente comunitária Rita Smith.
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De Castro Alves a Noel Rosa, houve um tempo em que a tuberculose era a doença romântica dos boêmios. “Esse lirismo terminou. Eu diria que isso tudo terminou na medida em que a tuberculose passou a ser uma doença da exclusão”, declara Margareteh Dalcomo, diretora do Centro de Referência Helio Fraga da Fiocruz.
A peste branca que aterrorizou a população no fim do século XIX e em boa parte do século XX é hoje uma doença conhecida, que tem tratamento, que tem cura. Se ela ainda persiste em pleno século XXI é porque não se desvencilhou de um Brasil arcaico, preso ao passado e profundamente desigual. A tuberculose só se espalha onde as condições de vida são precárias.
A agente comunitária Rita Smith reconhece que a Rocinha tem condições insalubres e que é um local apertado, abafado e cheio de becos escuros. “E isso acarretou hoje em a Rocinha ter hoje o maior índice de doenças respiratórias no estado do Rio de Janeiro”, aponta. “No escuro, você pode ver que a temperatura é diferente de onde é claro”.
Rita nasceu na Rocinha e conhece cada beco da comunidade. Em alguns locais, o sol não bate em hora nenhuma do dia. A casa de Maria é úmida, fria e tomada pelo mofo. “Aqui nem dá sol direito. A roupa nem seca direito. E o cheiro é horrível”, comenta a dona de casa Maria Almeida.
Rita revela que a lavadeira Ademázia Mendes teve três tuberculoses consecutivas e ainda está se tratando. O agravante: Ademázia também é diabética. “Peguei três vezes já. Uma em cima da outra”, diz. O diabetes agrava a tuberculose e, morando em locais pequenos, fica ainda mais difícil a cura.
A agente comunitária se angustia, porque viu a mãe morrer de tuberculose. “Ela era tudo para mim. Eu não tinha mais ninguém”, declara.
A própria Rita pegou a doença e quase morreu. No dia em que ficou curada, jurou que ia fundar uma associação para evitar que as pessoas tivessem o destino da mãe dela. “A cada pessoa que eu ajudo, eu estou tentando fazer alguma coisa por ela que eu não pude fazer”, diz.
O trabalho de Rita tornou a doença conhecida na comunidade. “A tuberculose tinha pulmão e não tinha cara”, afirma a agente comunitária.
Mesmo assim, os índices de contaminação ainda estão muito acima da média brasileira de 38 casos por 100 mil habitantes. “O Rio de Janeiro já tem quase três vezes isso, e a Rocinha já tem mais de três vezes a média do Rio de Janeiro que é semelhante a países como Bangladesh, Paquistão, algumas áreas da Índia. São países de altíssima incidência”, declara Margareteh Dalcomo.
A doutora Margareth, da Fundação Oswaldo Cruz, dirige o Centro de Referência Hélio Fraga. A instituição integra o esforço internacional para testar novos remédios recém descobertos. “Pela primeira vez em 40 anos, sete novas moléculas, sete novos fármacos, sete novos remédios em pesquisa clínica em diversos estágios para serem usados em tuberculose”, ressalta.
O interesse científico aumentou quando a AIDS apareceu e o número de doentes com HIV e tuberculose cresceu demais. Os pesquisadores querem reduzir o tempo de tratamento, que hoje é de no mínimo seis meses, o que impede as pessoas de trabalhar. “Primeiro, pela perda de peso. Segundo, pelo cansaço. Terceiro, pela tosse. A tosse é um sintoma muito incômodo e muito estigmatizante também”, aponta Margareteh Dalcomo, diretora do Centro de Referência Helio Fraga da Fiocruz.
O bacilo da tuberculose é uma bactéria transmitida pelo ar, pela tosse, saliva ou espirro de quem está doente. O cuidado é normal, mas no ambulatório, onde é tratada a tuberculose multirresistente, ele precisa ser redobrado. “Se o paciente não curar a tuberculose, com o primeiro tratamento, ele vai acabar evoluindo para o nosso ambulatório. E isso é o que a gente não quer”, afirma a pneumologista Liamar Ferreira Borga.
O tratamento da tuberculose multirresistente passa de seis meses para dois anos ou mais. Maria Aparecida até procurou ajuda cedo, mas o diagnóstico estava errado. “Uma doutora chegou a dizer para mim que era só alergia, problema de alergia”, lembra.
São pacientes muito pobres, que têm de ganhar até passagem de ônibus para chegar ao ambulatório. “Morreram pessoas por causa dessa doença. Então, como a gente nunca pegou essa doença, e, do nada, você recebe a notícia que está com tuberculose, fica assustado”, conta o estudante Ederson Cleiton.
A desinformação é um dos grandes entraves do tratamento. “Eu estava grávida. Eu pensei que tuberculose era uma doença que não tinha cura. E eu acabei quase me jogando debaixo do carro, porque eu fiquei desesperada”, revela a vendedora Kelly de Jesus.
Os vizinhos fugiram. Os parentes desapareceram. “Eu fiquei sozinha com ela. Ninguém queria nem ir lá em casa. Essa criança ficou muito doente”, diz Eledir de Jesus, mãe de Kelly.
Kelly e a família passaram por poucas e boas até conhecerem a agente comunitária Rita Smith. Só então, descobriram que a doença tem cura e que o tratamento é gratuito por lei. “E ela chora, e acho que chora todo mundo, quando a gente vê que uma coisa dessas que pode ser solucionada. Ninguém abandona o tratamento para morrer sem motivo”, declara Rita.
O Brasil assinou as Metas do Milênio se comprometendo com a erradicação da tuberculose no mundo até 2050. Mas, até 2015, tendo como parâmetro os números de 1990, é obrigado a reduzir pela metade a incidência de casos e a mortalidade.
“Em relação à mortalidade, talvez a gente já chegue ano que vem ou em 2012 na meta. Em relação aos casos, talvez a gente demore um pouquinho, mas, até 2015, seguramente nós vamos atingir a Meta de Desenvolvimento do Milênio”, aposta Dráurio Barreira, coordenador do Programa Nacional de Controle da Tuberculose.
“Eu não acho que seja uma coisa rápida. Eu te juro que eu não acho que seja uma coisa rápida. Vai estar longe, se a gente demorar a fazer alguma coisa. Mas vai estar perto se a gente começar agora”, afirma a agente comunitária Rita Smith. “Porque, quando a gente muda dois ou três, a gente muda a Rocinha, muda o município, muda o estado e muda o país”.
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Carlos Basilia
Observatório Tuberculose Brasil
Membro Fórum ONGs Tuberculose-RJ
Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social - IBISS

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