Estudantes gays são vítimas de homofobia no alojamento da UFRJ, no Fundão
Publicada em 27/09/2010 às 21h03mLauro Neto
Há 20 dias o estudante de Serviço Social Flavio Silva anda acuado no alojamento da UFRJ onde mora, no campus do Fundão. Flavio conta que, no dia 9 de setembro, ele e outros militantes foram vítimas de um ato homofóbico, quando afixavam cartazes e panfletos nos corredores sobre um evento justamente contra opressões. Segundo ele, um universitário vizinho se incomodou com a foto de um beijo entre dois homens no cartaz, arrancou os panfletos e os queimou sob os gritos de "Eu já sou obrigado a conviver com um viado morando em frente, e ainda colam coisas de viado na minha porta!".
Uma amiga de Flavio que pediu para não ser identificada, com medo de retaliações, registrou a ocorrência como injúria na Delegacia da Mulher. O caso chegou ao conhecimento do Conselho de Ensino de Graduação (CEG) da UFRJ, mas, mesmo assim, Flavio continua a ser ameaçado:
- Ele diz para eu tomar cuidado, pois os oito caras mais fortes do alojamento estão do lado dele. Me sinto ameaçado, pois ele pode me encontrar e me agredir. No corredor, não tem segurança. Chego a ficar sem forças. Fui atingido na minha moral. E não foi um fato isolado. Isso podia acontecer com qualquer pessoa - lamenta o estudante.
E já aconteceu algo parecido com o estudante de Letras Delano de Souza. Segundo ele, em abril, o aluno de Matemática Thiago José da Silva Barbosa de Paula tentou arrombar a porta do seu quarto e entrou aos berros de "Viado filho da puta, eu vou te matar!", devido a um problema em seu ar-condicionado. Delano prestou queixa na 37ª DP (Ilha do Governador), os dois foram chamados para uma audiência de conciliação, mas não houve entendimento.
Em agosto, o acusado aceitou pagar R$ 300 ao Instituto Nacional do Câncer como transação penal estipulada pelo MP para arquivar o processo, mas só pagou metade. No dia 14 de setembro, a Justiça expediu intimação pedindo que ele comprovasse o pagamento da outra metade. A Megazine entrou em contato com Thiago, mas ele não quis se pronunciar sobre o caso.
- De início, ele me tratava bem, mas, quando ficou sabendo que eu era gay, falou que não era obrigado a ter amizade com viado. Desde esse dia, passou a me perseguir. Uma vez, me deu um tapa, mas os seguranças impediram a briga - conta Delano. - Não aceitei a conciliação por medo de ele fazer alguma coisa pelas minhas costas. Mesmo com o processo, ele continua me perseguindo, me intimidando e acuando. Não quero ganhar dinheiro dele. Só quero distância.
Mesmo procurando evitar a proximidade quase inevitável do quarto ao lado, recentemente Delano foi vítima de outro ato questionável, desta vez de autoria desconhecida: no corredor de seu andar arrancaram a decoração do cenário que havia montado para filmar um programa voltado para o público gay no YouTube.
- Foram aqueles trogloditas que chegaram bêbados e arrancaram - ele suspeita.
Representante discente no CEG, a estudante de Serviço Social Deise Pimenta acredita que não se trata de fatos isolados. Responsável por levar a moção de repúdio à homofobia escrita pelo amigo Flavio a uma reunião do conselho, ela conta que já ouviu outras histórias de violência no alojamento.
- Já me contaram que um menino gay bateu por engano na porta de outro, que lhe quebrou o braço. Não queremos que volte à época da segregação no alojamento - diz Deise.
Ela se refere ao tempo em que a ala masculina era dividida em Caverna do Dragão, onde ficavam os homofóbicos, e Castelo de Cristal, parte que abrigava os homossexuais. As pichações estão na parede até hoje, mas Vera Lucia Aguiar, diretora do alojamento há 18 anos, diz desconhecer qualquer caso de homofobia no local.
- Quando entrei no alojamento, essas pichações já existiam. À minha sala nunca chegou nenhuma reclamação sobre homofobia feita por aluno. Tomei conhecimento deste último caso pelo CEG e vou conversar com os estudantes envolvidos- promete Vera.
Já Rosélia Magalhães, diretora substituta da Divisão de Assistência Estudantil (DAE), reconhece as limitações em relação ao controle sobre os 504 quartos (metade para homens e metade para mulheres) do alojamento. Ela também tomou conhecimento do caso pela moção de repúdio apresentada ao CEG.
- Estou muito pouco dentro do alojamento para saber quantos casos acontecem, mas acredito que não seja algo isolado, porque isso acontece todos os dias dentro e fora da faculdade. Temos que tomar alguma atitude dentro do espaço universitário. Não existe um regimento do alojamento que preveja punições para essas situações, mas temos um grupo de trabalho estudando isso - diz Rosélia.
Responsável pela seleção, permanência, renovação e saída dos moradores do alojamento, ela afirma que seria preciso que o caso chegasse a instâncias superiores na universidade para que houvesse alguma punição. Belkiss Valdman, pró-reitora de graduação, explica que precisa de um documento formal que aponte os acusados para abrir uma sindicância e apurar o ato:
- Esse foi o primeiro episódio de homofobia em três anos que estou aqui. Não admitimos qualquer intolerância ou discriminação, e, se houver fatos, a diretoria vai chamar a atenção.
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