A malária e o aquecimento
O Estado de S.Paulo
17 de junho de 2010
FERNANDO REINACH
O aquecimento global é um fato. Há mais de cem anos nossa insistência em jogar na atmosfera o gás carbônico resultante da queima de combustíveis fósseis tem contribuído para aumentar a temperatura do planeta. O pior é que nada indica que nas próximas décadas o comportamento do Homo (não tão) sapiens vai mudar substancialmente. Resta descobrir as consequências de nossa irresponsabilidade.
Infelizmente, o físico Niels Bohr teve razão quando disse que "é difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro". Uma das previsões dos climatologistas sugere que o aquecimento global aumenta a incidência das doenças tropicais, especialmente a malária. A boa notícia é que um estudo da evolução da malárias nos últimos cem anos demonstra que essa é mais uma das diversas predições precipitadas divulgadas pela imprensa.
Superficialmente, o raciocínio parece perfeito. Todos sabem que temperaturas altas facilitam a multiplicação dos mosquitos transmissores da malária. Alem disso, nas noites quentes, o apetite dos insetos aumenta. Como a transmissão do parasita ocorre quando o inseto pica uma pessoa infectada e em seguida pica uma pessoa saudável, mais picadas produzem mais doentes. Resultado: o aquecimento global provocaria um aumento na frequência de pessoas com malária. Óbvio, mas errado.
Há anos epidemiologistas que estudam e combatem a malária criticam esse modelo simplista. Mostraram que outras mudanças resultantes do aquecimento global, como o encolhimento das florestas e a diminuição da umidade do ar nas áreas afetadas pela malária, tornaram a vida dos insetos mais difícil. Demonstraram que as medidas de combate à doença, como medicamentos, extermínio dos insetos e o uso de redes nas camas, têm efeito maior e em direção contrária ao aquecimento. Em outras palavras, diziam que a epidemiologia da malária é complexa e que o argumento dos climatologistas era, para dizer o mínimo, simplório.
No novo estudo, cientistas compararam a incidência da malária em 1900 e em 2007. Como nesses últimos 107 anos o aquecimento global foi semelhante ao que se acredita que vai a ocorrer nos próximos anos, a ideia era saber como a malária se comportou durante o aquecimento global que já ocorreu. Nessas horas, o valor do acumulo sistemático de dados epidemiológicos fica evidente. Foram compilados dados coletados em todo o planeta, desde o Brasil, passando por toda a África, Oriente Médio, Ásia e Oceania, sem esquecer a costa leste dos EUA, que era infestada pelar malária em 1900.
As regiões foram classificadas de acordo com a porcentagem das pessoas que possuíam o parasita no sangue. Nas regiões hipoendêmicas (menos de 10% das pessoas com parasitas), mesoendêmicas (entre 10% e 50%) hiperendêmicas (entre 50% e 75%) e holoendêmicas (mais de 75%), a doença está presente de forma constante. O resto do planeta foi classificado como áreas sem a doença ou simplesmente epidêmicas (onde a doença surge e desaparece ao longo do tempo).
Quando comparamos os dados de 1900 e 2007, o resultado é impressionante. A área endêmica, que era de 58% do planeta, caiu para 30%. Dois terços das áreas endêmicas perderam um ou dois pontos na classificação (de holoendêmicas, por exemplo, para mesoendêmicas). O Brasil que era meso e hiperendêmico, tornou-se todo hipoendêmico, um dos locais do planeta onde o controle da doença foi mais eficiente. E a malária desapareceu do costa leste dos EUA.
Além disso, os autores analisaram os fatores que levaram a essa redução e mostraram que diversos fatores são dez a cem vezes mais importantes que o aumento de temperatura.
A conclusão é que o aquecimento global é irrelevante para o aumento ou a diminuição das populações afetadas pela malária. Medidas preventivas, saneamento e medicação têm um impacto de ordens de magnitude maiores.
Colaboração Clipping Bem Fam(17/06/010)
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