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terça-feira, 29 de junho de 2010

Economista diz que Bolsa não Resolve:

Bolsa Família não resolve renda básica, diz Lavinas

Valor Econômico - 29/06/2010

O Brasil é o único país do mundo que têm uma lei que prevê a renda básica da cidadania, mas a lei já completou seis anos e meio, e o dinheiro nunca saiu do Estado. Uma das principais pesquisadoras de pobreza no Brasil, a economista Lena Lavinas avalia que "a ideia de universalizar qualquer coisa é imatura no país, que é incapaz de compreender a renda básica".

Ao contrário de programas de renda mínima, como o Bolsa Família, que transfere dinheiro às camadas pobres, a renda básica seria uma quantia igual repassada a todos os mais de 190 milhões de brasileiros - tanto o faminto quanto o bilionário receberiam o mesmo valor. Mesmo tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional, a ideia segue bastante polêmica. Para Lena, "as pessoas não entendem que a renda básica serve para criar um sentimento comum de pertencimento a quem vive no país".

Doutora em Economia pela Universidade de Paris e professora da UFRJ, Lavinas é uma das organizadoras do 13º Congresso Internacional de Renda Básica, que ocorre pela primeira vez no Brasil, a partir de amanhã, em São Paulo, reunindo pesquisadores do assunto em todo o mundo. Confira abaixo os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: A lei de renda básica foi aprovada, mas nunca implementada. Por quê?

Lena Lavinas: Porque os brasileiros são incapazes de entender o programa. Trata-se de uma renda que é dada a todo cidadão com o intuito de distribuir uma parte igual do patrimônio nacional a todos, com um princípio muito claro de coesão e união. Não debatemos principalmente porque somos uma sociedade desigual que não consegue ser universal.

Valor: Como explicar isso?

Lavinas: A ideia de universalizar algo no país é imatura. Somos tão desiguais que qualquer coisa que atinja todos igualmente é criticada. Veja o que ocorre com o Sistema Único de Saúde (SUS). Os hospitais servem a todos, portanto devem contar com orçamento suficiente e bem gerido. Mas ocorre o contrário. Nos últimos anos fomos constrangidos pelo pensamento que defende o corte de gastos públicos, que ataca o SUS, que ataca toda e qualquer iniciativa inclusiva e universal. Somos uma sociedade conservadora, que tenta restringir ou invés de universalizar.

Valor: Transferir a quem têm não é desperdício de dinheiro público?

Lavinas: O Brasil ganharia imensamente se todos, sem distinção de renda, cor de pele e localização recebessem a mesma quantia. A renda básica cumpre o papel de instituir uma identidade positiva, uma harmonia entre todos, que participariam igualmente da criação e distribuição da renda nacional.

Valor: De onde sairia o dinheiro?

Lavinas: Por que não usar parte dos royalties do petróleo do pré-sal para garantir o programa? Parte do dinheiro que vai ser gerado pode ser direcionado para isso.

Valor: Por que não transferir dinheiro apenas a quem precisa?

Lavinas: São duas coisas distintas, e isso a sociedade não entende. A renda básica não serve para amortizar a pobreza, ainda que tenha esse efeito também. Ela serve para criar um sentimento comum a quem vive no mesmo país. Há uma visão pervertida de que é impossível compartilharmos de forma equânime a riqueza produzida no Brasil. A renda mínima é outra coisa, trata-se de um direito.

Valor: O Bolsa Família é o mais adequado para reduzir a pobreza?

Lavinas: A seguridade social é um direito. As pessoas no Brasil não sabem que temos seguridade social, elas entendem que se trata de seguridade individual, ou seja, que você precisa pagar para ter. Ninguém é pobre por escolha, não pode ficar amarrado por condicionalidade. Definimos isso em 1988, na Constituição, quando afirmamos, como país, que saúde e educação é para todos e assistência é para quem precisa. No fundo, os críticos acham que o programa é uma distribuição de benesses para um bando de inúteis.

Valor: Mas não é preciso instituir portas de saída?

Lavinas: A ideia está associada à linha de pobreza absoluta. Isso não existe. Segundo essa teoria, o equivalente a R$ 137 por mês tira a pessoa da pobreza absoluta. São R$ 5 por dia. Mesmo que o sujeito trabalhe e ganhe seus R$ 800 por mês, se ele dividir casa com família de três ou quatro pessoas, não terá mais que R$ 6 por dia, mas não será considerado absolutamente pobre, embora seja. Como cobrar de alguém assim que ele seja melhor que outro para poder ganhar um pouco mais?

Valor: O Bolsa Família se encerra por si só, então?

Lavinas: É claro que não, precisamos ir além. As políticas de transferências monetárias vieram para ficar, elas precisam ser fortalecidas e ampliadas. Mas não podem ficar nisso. É preciso aumentar os gastos públicos em educação e saúde, principalmente nas escolas, porque de outra forma não adianta nada conquistar alguma decência que leve as crianças às escolas se elas não vão aprender nada.

Clipping Bem Fam (29/06/010)

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