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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Projeto Genoma Humano Completa 10 Anos

14/04/2010 03:42

Projeto Genoma Humano Completa 10 Anos

Para o geneticista Dr. Salmo Raskin, os resultados do projeto até o presente momento são permeados por exageros, frustrações e esperanças

SÃO PAULO [ ABN NEWS ] - O dia 26 de junho de 2000 certamente ficará marcado por décadas na história da ciência, pois foi nesta data que os cientistas revelaram a ordem correta das substâncias bioquímicas que compõem o código genético humano. Foi uma jornada de 10 anos de pesquisas em centenas de laboratórios espalhados por mais de 20 países do mundo, todos com o mesmo objetivo: decifrar o código da vida.

Sabia-se que o ser humano, quando recém-nascido, tem cerca de 26 bilhões de células enquanto em um adulto este número salta para cerca de 50 trilhões. No centro de cada uma destas células está o nosso Genoma, termo que se refere ao conteúdo total de material genético de um organismo, seja este uma bactéria, um vírus, uma mosca ou um humano.

De uma forma didática, o genoma humano pode ser comparado a uma grande enciclopédia de 23 volumes, que representariam nossos 23 cromossomos que, por sua vez, trazem a mensagem fundamental do enredo da vida, ou seja, os genes. Porém, mesmo os genes, apesar de tão minúsculos que não podem ser visualizados com o mais potente microscópio imaginável, não são unidades indivisíveis; eles são formados por vários pedaços chamados de Exons, que se combinam para dar forma aos aminoácidos, componentes básicos das proteínas. Dentro dos genes, separando os vários Exons, existem ainda os Introns, que, até então, pareciam não ter significado.

O primeiro passo para desvendar estes mistérios seria descobrir em qual ordem a natureza posicionou essa sequência de três bilhões de A, T, C e Gs, revelada após 10 anos de trabalho extenuante de uma colaboração científica internacional coordenada pela HUGO (Human Genome Organisation), do qual faz parte o especialista brasileiro Dr. Salmo Raskin.
Dez anos depois, ainda é prematuro fazer uma análise completa do que representa aquilo que foi revelado ao mundo em 2000, até porque os próprios cientistas ainda desconhecem o significado de boa parte das sequências que descobriram. Porém, é preciso destacar algumas lições:

• O genoma humano teria maior potencial de produção de formas alternativas de proteínas, e a hierarquia das espécies estaria ao nível proteico e não genômico;

• O sequenciamento e as pesquisas que se sucederam demonstram que uma parte dos 98% do código genético que não produzem proteínas, são resquícios do passado evolutivo do ser humano, sequências que foram um dia ativas, produzindo proteínas há milhares ou milhões de anos atrás, e que a evolução fez com que se tornassem inativas;

• Agora que o genoma completo de mais de 20 seres humanos foi sequenciado, sabemos que existe uma variabilidade dez vexes maior (cerca de 1%) do que a inicialmente imaginada (0,1%) entre as bases nitrogenadas de dois seres humanos;

• Genomas inteiros de mais de 3.800 outras espécies já foram sequenciados e analisados por completo, inclusive de mamíferos muito próximos ao ser humano na escala hierárquica da vida, como o camundongo, o rato e o chimpanzé. Portanto, pela primeira vez na história é possível praticar uma Genômica Comparativa, ou seja, é possível com grande precisão comparar os genomas de espécies diferentes, de modo nunca antes imaginável, e tentar compreender o que nos diferencia e o que nos assemelha a outras espécies;

• Aprendemos a desenvolver tecnologias que sequenciam o Genoma de forma mais rápida, com mais qualidade e menor custo.

Frustrações

Por outro lado, alguns aspectos ainda preocupam a comunidade científica. Os geneticistas compreendem hoje que conceitos básicos como gene, regulação gênica, Exons e Introns, são muito mais complexos do que se imaginava. “Só o fato de muito recentemente termos descoberto que ao menos metade do lixo genético é composto por sequências fundamentais na regulação do genoma, já mostra o quanto pouco sabemos sobre a genética humana dez anos depois do anúncio do sequenciamento”, diz o Dr. Salmo Raskin. Para ele, é frustrante saber que em 2010 o conhecimento científico de genética humana é infinitamente menor do que se podia imaginar dez anos atrás e que há pressões cada vez maiores para explicar como estes achados se encaixam.

Apesar do enorme avanço na capacidade de diagnosticar uma das 10 mil doenças genéticas raras, ou se uma pessoa tem predisposição a ter filhos com alguma delas, no que se refere ás doenças mais comuns, o impacto foi até o momento muito menor. Não sabemos quais e quantos genes fazem parte do componente genético de doenças como hipertensão, diabetes, obesidade, câncer, depressão, esquizofrenia, entre outras. Já no que se refere a transformar os conhecimentos adquiridos em tratamentos, poucas drogas foram desenvolvidas nos últimos 10 anos baseadas nas descobertas do Genoma Humano.

O futuro

Mesmo enfrentando barreiras éticas, legais, morais, filosóficas, culturais e religiosas, o conhecimento a ser adquirido do genoma poderá ainda trazer boa parte das respostas para os enigmas do ser humano, como "De onde nós viemos?", "Quem nós somos?" e "Para onde nós iremos?". Essas perguntas poderão ser, pelo menos parcialmente respondidas, quando compreendermos a real mensagem que o Genoma pode nos revelar.

A descoberta de um número bem menor de genes do que imaginávamos no genoma humano, por exemplo, traz da natureza mais uma lição a ser aprendida pelos seres humanos: a de que não existe um determinismo genético para tudo, ou seja, nem tudo está escrito nos nossos genes. Traz também uma lição de respeito aos outros seres vivos e ao meio ambiente.

Para o Dr. Salmo, os cientistas devem continuar a ser movidos pelo instinto e ter garantida a liberdade de seguir em suas pesquisas sem se preocupar onde elas os levará. “Mas dependerá da sociedade organizada determinar para onde devemos caminhar”, diz.

“Vamos precisar aprender a trabalhar em equipes interdisciplinares, que possam produzir conhecimento não só em pesquisa, mas em questões como propriedade intelectual, consentimento informado, legislações que protejam a população de discriminação genética, protegendo suas privacidades. Vamos precisar treinar os novos Médicos, os educadores, gestores públicos e a população em geral para que possam compreender a medicina genômica”, explica o especialista.

Por fim, será preciso formar muito mais profissionais treinados em Aconselhamento Genético, um processo de comunicação sobre problemas humanos associados com a ocorrência ou risco de recorrência de uma doença genética na família, através do qual os pacientes e/ou parentes que possuam ou estão em risco de possuir uma doença hereditária são informados sobre as características da condição, a probabilidade ou risco de desenvolvê-la ou transmiti-la, e as opções pelas quais pode ser prevenida ou melhorada.

No Brasil, o quadro ainda é preocupante, já que o país tem um médico geneticista para cada milhão de habitantes, 80% deles concentrados nas regiões Sul e Sudeste. “É preciso que políticos e gestores de saúde compreendam que se o Aconselhamento Genético não estiver disponível para a maioria da população, todo este esforço será quase inútil. Para um país que nem sequer possibilita aos pacientes do SUS acesso aos serviços básicos de genética há necessidade de uma mudança urgente e radical na forma como a saúde é planejada e (des)valorizada em nosso país. “Isso se realmente queremos um dia poder usufruir desta revolução na Medicina”, finaliza o Dr. Salmo Raskin.

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