Os ongueiros que querem virar governamentais
Época - 26/04/2010
Inspirados pela candidatura de Marina Silva, dirigentes de ONGs estão deixando o cargo para disputar as eleições
Motivados pela candidatura da senadora Marina Silva (PV) à Presidência, grupos que antes mostravam pouca disposição para participar da política tradicional parecem decididos a mudar de estratégia. Uma peculiaridade das eleições deste ano deverá ser o crescimento do número de candidatos oriundos de organizações não governamentais (ONGs). São os ongueiros que não abandonaram a causa, mas decidiram que vão tentar virar governamentais, uma tendência que desperta entusiasmo e, ao mesmo tempo, preocupação nas ONGs.
O ongueiro candidato mais célebre é o empresário Ricardo Young, integrante do Instituto Ethos de Responsabilidade Social desde a fundação da entidade, em 1998. Recentemente, Young deixou a presidência do Ethos e anunciou sua pré-candidatura ao Senado pelo PV paulista. O convite partiu da senadora Marina Silva, que tem ligações muito fortes com vários dirigentes de ONGs.
Além de Young, o PV arregimentou ongueiros candidatos para pelo menos três Assembleias Legislativas. Em Santa Catarina, uma das vagas de deputado estadual será disputada pela ambientalista Miriam Prochnow, fundadora da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida. No Rio Grande do Sul, o partido deverá lançar a candidatura de Gisele Uequed, diretora da Associação Villa Mimosa, uma s ONG de preservação ambiental da cidade de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. Em São Paulo, o PV também deverá patrocinar a candidatura do presidente da Associação dos Surdos do Estado, Paulo Vieira. Todos os ongueiros candidatos declaram que resolveram disputar as eleições para tentar aumentar a influência das ONGs e facilitar a implantação de seus projetos.
As relações entre ONGs e governos mudaram bastante no Brasil desde os anos 90, quando essas entidades começaram a se disseminar pelo país. No início, as ONGs ficaram marcadas pela postura de confronto com os governos. O principal objetivo era cobrar e fiscalizar órgãos públicos, além de criar projetos à margem das instituições. Na última década, a oposição deu lugar a parcerias. A independência diminuiu, mas a influência e o impacto das ações de muitas ONGs cresceram. Junto com esse movimento surgiram diversas denúncias de entidades criadas para desvio de dinheiro público. As acusações pipocaram por todo o país até o tema virar objeto de uma CPI.
A maior presença de ongueiros nas eleições pode marcar uma nova etapa nessa relação. “Caiu a ficha de que é necessário se engajar na disputa política”, diz Young. “Como podemos pregar a democracia se não nos colocarmos à disposição das instituições?” O discurso é parecido com o de outros candidatos. Gisele e Miriam acreditam que entrar na política é uma maneira de fortalecer o movimento ambientalista e evitar a aprovação de projetos danosos ao meio ambiente. Paulo Vieira diz que pretende usar a força do Parlamento para lutar pela contratação de intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras) em órgãos públicos.
Apesar do otimismo dos candidatos, a vida política não promete facilidades. O primeiro e mais óbvio obstáculo é a urna. Embora sejam bem conhecidos em seus setores, os ongueiros candidatos são desconhecidos da massa de eleitores. Young, o mais famoso, aparece em oitavo lugar na última pesquisa do Datafolha, com 3% das intenções de votos. Além disso, a falta de recursos e o pouco tempo de TV do PV não devem facilitar a caça aos votos.
Outro problema comum são as resistências internas no próprio movimento ongueiro às candidaturas. Para alguns militantes, a ida de ongueiros para a política poderá prejudicar as próprias ONGs, devido às dificuldades de algumas entidades de repor mão de obra. Há também o receio de que a disputa partidária prejudique a independência da entidade. Para minimizar esse risco, os candidatos são aconselhados a romper seus vínculos com as ONGs assim que manifestam interesse em assumir um cargo público. “Eles devem deixar o cargo para que as ONGs se mantenham autônomas e apartidárias”, diz Vera Masagão, diretora da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).
Os obstáculos que um ongueiro deve vencer para se adaptar à política não se limitam à fase da campanha. Quando conseguem se eleger, muitos não se enquadram na vida parlamentar. Embora a migração para a política possa parecer natural, há grandes diferenças entre a atuação de um dirigente de ONG e a de um político. Na sociedade civil, a autonomia para implantar projetos esbarra apenas na falta de recursos. No Parlamento, um ongueiro tem de mostrar jogo de cintura e capacidade de articulação política para levar adiante seus projetos. “Para ser um bom político, o militante precisa passar a pensar como parlamentar, o que não é fácil. Não basta criar um projeto impecável. É preciso criar projetos que sejam aceitos pela maioria. E é preciso votar nos projetos dos colegas”, diz José Luiz Penna, presidente do PV de São Paulo.
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