Quinta, 25 de fevereiro de 2010, 09h10 Atualizada às 10h45
Análise: Doações ilegais são seleção natural de candidatos
Carolina Oms
Especial para Terra Magazine
O cientista político André Marenco afirma que a captação ilícita de recursos para campanhas eleitorais tornou-se prática tão generalizada entre os políticos que virou critério de "seleção natural": "Quem não se adaptar à captação ilícita vai entrar na competição em condição desfavorável".
(Gilberto Kassab / Foto: Futura Press)
A cassação do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), e de 24 dos 55 vereadores paulistanos pelo juiz Aloísio Sérgio Rezende Silveira, da 1ª Zona Eleitoral (SP), sob a acusação de financiamento eleitoral ilícito, reforçou o debate sobre a criação de um fundo público de campanha.
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Marenco, autor de ensaio sobre financiamento eleitoral no livro Corrupção: Ensaios e críticas, é descrente quanto à eficácia do fundo público para combater os desvios éticos no País:
- Eu não vejo como o fundo público vai inibir a criação do caixa dois das empresas. Parece que vai continuar, é um diferencial, quer dizer, se o candidato puder ter, além do fundo público, um dinheiro "extra", ele terá.
Leia a íntegra da entrevista:
Terra Magazine - O prefeito de São Paulo e 24 vereadores paulistanos foram cassados por supostas irregularidades no financiamento de suas campanhas. Alguns políticos, apesar de também terem sido financiados pelas mesmas empresas não foram cassados. Por quê?
André Marenco - A legislação proíbe a contribuição por empresas que sejam concessionárias ou permissionárias do serviço público. Alguns tribunais têm estabelecido uma interpretação que atribui uma margem de 20% em relação aos gastos de campanha.
No caso o Kassab teria ultrapassado esses 20%, ou seja, a arrecadação de campanha dele teria uma alta proporção de doações feitas por empresas concessionárias de serviços públicos - o que é proibido pela legislação em qualquer quantidade. Esses 20% já são uma margem de tolerância.
Essa margem não parece um "jeitinho" na hora de cumprir a lei?
Essa margem é o reconhecimento da dificuldade de estabelecer de fato uma fiscalização, e eventualmente, uma punição pela captação ilegal de recursos.
O ano de 2005 foi um grande episódio de crise, de denúncias e apesar do "tsunami" que foi o mensalão, depois disso, só para ficar nos casos conhecidos, tivemos os episódios de Brasília, de São Paulo, etc. Ou seja, a captação ilícita de recursos de campanha não foi interrompida e acho que é em função disso que a justiça eleitoral criou essa margem de 20%. No fundo, é um pouco de "jeitinho".
A legislação é eficaz para combater a corrupção?
A gente tem a expectativa de que os problemas de corrupção possam ser resolvidos via legislação, criando novas leis, criando novos mecanismos de fiscalização (que são necessários, sem dúvida). Mas países que têm legislação de controles de gastos eleitorais, que estabelecem mecanismos que proíbem ou estabelecem tetos máximos para doações, ou tetos máximos para gastos, ou ainda fundos públicos de campanha; países que tem todos esses mecanismos, mesmo assim têm altos índices de corrupção.
O Brasil vem aprofundando e desenvolvendo sua legislação, mas parece não haver uma eficácia nesta legislação, a gente fica com a sensação de estar enxugando o gelo.
Eficácia na hora de cumprir ou porque a legislação dá margem para manobras?
Por tudo isto. Também porque a punição é difícil, o que não é um problema da legislação eleitoral, mas da própria legislação e do judiciário brasileiro. E também porque o custo do controle da corrupção (financeiro, operacional, logístico) é muito alto. O Brasil tem 27 Estados e o Distrito Federal, mais de 5500 municípios, eleições a cada dois anos - para controlar tudo isto, a máquina necessária é muito grande.
Talvez a pequena probabilidade de punição explique por que, mesmo depois de grandes crises, de grandes denúncias, a captação ilícita de recursos continue sendo uma prática. Para quem o faz, as chances de êxito confrontadas com as chances de punição terminam incentivando a adoção deste tipo de estratégia.
O envolvimento de inúmeros partidos e políticos nesses esquemas contribui para a não-investigação das irregularidades?
Isso mostra que esse é um comportamento generalizado, não é uma estratégia associada especificamente a um ou outro partido. É um pouco de seleção natural: quem não se adaptar à captação ilícita vai entrar na competição em condição desfavorável. Talvez esteja aí a raiz do problema: enquanto a captação ilícita for um diferencial para o sucesso ou insucesso eleitoral e enquanto a probabilidade de punição for menor que a taxa de sucesso, isso vai sempre se repetir.
Sempre se fala em punição dos corruptos, mas pouco em punição dos corruptores...
Esse é um ponto falho na legislação, um ponto crucial. Grande parte do caixa dois dos políticos corresponde ao caixa dois das empresas, daí vem a dificuldade do controle e eventualmente a ineficácia da criação do fundo público. Eu não vejo como o fundo público vai inibir a criação do caixa dois das empresas. Parece que vai continuar, é um diferencial, quer dizer se o candidato puder ter, além do fundo público, um dinheiro "extra", ele terá.
Por isso é necessária a fiscalização das empresas, a despeito da discussão do mérito da antiga CPMF, ela permitia o mapeamento das transações financeiras, se nós tivéssemos uma CPMF mínima, ela seria uma forma de ampliar a fiscalização.
Quem fiscalizaria a iniciativa privada?
Eu acho fundamental a intervenção de um órgão como a Receita, talvez mais importante até que a própria Polícia Federal, que tem sido muito ativa. A Receita teria um papel importante na hora de identificar os doadores ilícitos.
Parece não haver uma solução clara ou simples para o problema do financiamento de campanhas, não?
Não. O grande problema da defesa que se faz em torno do fundo público de campanhas é este: As pessoas acham que todo o problema de campanha, caixa dois e corrupção a gente resolve com fundo público. Não resolve. Os países que têm fundo público também têm altas taxas de corrupção. Não há uma solução única ou mágica para o problema.
Terra Magazine
Fonte:http://terramagasine.terra.com.br
Talvez o financiamento público de campanha, a partir do momento em que disponibilizará verba para aqueles que se legitimarem junto à sociedade como candidatos,permita o surgimento de candidatos mais comprometidos com o bem comum e que por seleção natural como muito bem colocou o autor, têm se afastados cada vez mais do processo político-eleitoral, pois no atual sistema, com raríssimas excessões, é impossível ser um candidato competitivo sem se comprometer com o financiadores via caixa 2.
ResponderExcluirOutro fato é que a partir do momento em que o financiamento é exclusivamente público, torna-se mais fácil a fiscalização, com cassassão sumária do eleito descoberto com dinheiro privado em campanha.
Resta saber se "os formadores de opinião", juntamente com a mídia dominante, estão realmente dispostos a alavancar uma campanha que em última instância levaria a uma importante perda de poder, afinal, a quem financia é dado o direito de cobrar com juros e correção monetária.