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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
Clipping Saude, Sexualidade e afins
CLIPPING
Saúde, Sexualidade & Afins
08/DEZ./2014
Papa diz que questão gay é uma realidade que se encontra nos confessionários
O Globo
Em entrevista exclusiva, Pontífice fala de casamento, trabalho e família; e afirma que reforma da Igreja não estará pronta em 2015
por Elisabetta Piqué / Do ‘La Nación’/ GDA*
ROMA — O ex-arcebispo de Buenos Aires, que no próximo dia 17 completará 78 anos, disse que a reforma da Cúria não estará pronta no próximo ano, conforme se especulava. Em uma entrevista de 50 minutos, realizada na última quinta feira na suíte 201 do segundo andar da Casa de Santa Maria, no Vaticano, Francisco estava acessível, relaxado, de bom humor, e não evitou temas espinhosos, como as controvérsias em torno do recente Sínodo dos Bispos sobre a família, em outubro passado. “O que o cardeal alemão Walter Kasper fez foi dizer para que se busquem hipóteses, ou seja, ele abriu o campo. E alguns estavam com medo”, disse ele.
O recente Sínodo dos Bispos sobre a família expôs duas visões da Igreja, com um setor aberto ao debate e outro que não quer saber de nada. É assim mesmo?
O que eu senti é uma busca fraterna para saber como lidar com problemas familiares pastorais. A família está muito enfraquecida, os jovens não se casam. O que está acontecendo? Depois, quando se casam, já vivendo juntos, acreditamos que com três conferências podemos prepará-los para o casamento. E isso não é suficiente, porque a grande maioria não está consciente do que significa se comprometer para toda a vida. Bento XVI disse duas vezes no último ano, que para a anulação do casamento deve ser levado em conta que fé teve essa pessoa quando se casou. Se fosse uma fé geral, mas sabendo perfeitamente o que era o casamento, e o que o levou a fazer isso. E isso é uma coisa que devemos estudar a fundo para saber como ajudar...
Os setores conservadores, sobretudo dos Estados Unidos, temem a decadência da doutrina tradicional. Dizem que o Sínodo causou confusão porque se falou de “elementos positivos" na coabitação e em casais gays no projeto, logo se voltou atrás...
O Sínodo foi um processo, e a opinião de um pai sinodal foi a opinião de um pai sinodal, assim como também um primeiro projeto, onde tudo foi coletado. Nada se falou de matrimônio homossexual no Sínodo. O que falamos é como uma família que tem um filho ou uma filha que seja homossexual deve educar, como se ajuda a essa família a levar adiante esta situação então inédita. Assim, se falou da família e dos homossexuais em relação às suas famílias porque é uma realidade que a todo momento encontramos nos confessionários: um pai e uma mãe que te um filho ou filha assim. A mim já aconteceu diversas vezes em Buenos Aires. E bem, é preciso ver como ajudar a este pai e a esta mãe para que acompanhem a esse filho ou filha. Foi sobre isso que se falou no Sínodo.
É um orgulho imenso para toda a América Latina ter o primeiro Papa latino-americano. O que o senhor espera da América Latina?
A América Latina vem percorrendo um longo caminho desde a primeira reunião do Celam. Dom Larraín, chileno, o primeiro presidente do Celam, já morto, deu um grande impulso. Houve a conferência do Rio, depois de Medelin, depois de Puebla, Santo Domingo e Aparecida. São marcos do Episcopado Latino-americano que foram sendo feito, colegialmente, com diferentes metodologias. Primeiro timidamente. Mas essa jornada de 50 anos não pode ser ignorada, pois é uma forma de realização de uma Igreja na América Latina, e do amadurecimento da fé.
Uma pesquisa recente mostra que houve o “efeito Francisco”, mas que existem católicos que ainda abandonam a religião…
Conheço as estatísticas feitas em Aparecida, são os únicos dados que eu tenho. Evidentemente que há vários fatores envolvidos nisso, de fora da Igreja, como por exemplo a teologia da prosperidade que inspirou muitas propostas religiosas que atraem as pessoas. Logo há gente que fica no meio do caminho. Mas, deixando de fora o que é externo, me pergunto quais são as coisas, de dentro da Igreja, que fazem com que os fiéis não se sintam satisfeitos? É a falta de uma aproximação, e o clericalismo. A proximidade é o chamado do católico hoje, a sair e sermos mais próximos das pessoas, de seus problemas, de suas realidades. O clericalismo, e eu disse aos bispos do Celam no Rio de Janeiro, retardou o amadurecimento dos laicos na América Latina. Onde os laicos são mais maduros na América Latina é precisamente a expressão da piedade popular. Mas organizações laicas sempre foram sempre um problema do clericalismo. Eu discuti isso no Evangelii Gaudium (primeira Exortação Apostólica pós-Sinodal escrita pelo Papa Francisco).
A renovação da Igreja a que o senhor se refere desde que foi eleito justamente na Evangelii Gaudium, também mostra que se deve buscar essas ovelhas perdidas e parar essa fuga de fiéis?
Não gosto desta imagem de “fuga” porque é uma imagem ligado ao proselitismo. Não gosto de usar termos ligados ao proselitismo porque não é verdade. Gosto de usar a imagem do hospital de campo: existe muita gente ferida que está esperando que iremos curar. E há de se sair para curar as feridas.
Na semana que vem o senhor voltará a se reunir com o G9, o grupo de nove cardeais consultores que ajudaram no processo de reforma da Cúria. Em 2015 a famosa reforma da Cúria estará pronta?
Não, o processo é lento. A reforma da Cúria leva muito tempo, é a parte mais complexa…
Ou seja, ela não estará pronta em 2015?
Não. Está sendo feita em pequenos passos.
Na volta da Coreia do Sul, ante a uma pergunta, disse que esperava em três anos “ir para a casa do Pai” e muita gente se ficou preocupada com seu estado de saúde, pensando que estava doente ou algo do tipo. Como está? Como se sente?
Tenho me minhas dores e meus sofrimentos da idade. Mas estou nas mãos de Deus e até agora tenho dito um ritmo de trabalho mais ou menos bom.
Elisabetta Piqué, corresponde do jornal "La Nación" de Buenos Aires na Itália e no Vaticano desde 1999, foi a única jornalista que participou da eleição de Jorge Mario Bergoglio como Papa. É também correspondente de guerra e cobriu entre outros conflitos o do Oriente Médio e as guerras do Afeganistão e Iraque.
Dessa experiência escreveu seu primeiro livro, em 2003: "Diário de guerra, Apontamentos de uma correspondente na frente de batalha". Bolsista do World Press Institute (WPI), nos EUA, ganhou o Prêmio Santa Clara de Assis de jornalismo, em 2003, e o Prêmio Mariano Moreno da Universidade Argentina da Empresa pela melhor cobertura jornalística sobre a renúncia do Papa Bento XVI , em 2013.
É membro correspondente da Academia Nacional de Jornalismo da Argentina. Realizou diversas viagens com os papas João Paulo II e Bento XVI, além de acompanhar o Papa Francisco em sua primeira viagem internacional ao Brasil. Tem acompanhado a carreira do pontífice desde que foi nomeado cardeal, em 2001. Integrou o grupo de cinquenta jornalistas que tiveram o privilégio de saudar o Papa em sua primeira coletiva para a imprensa mundial, em 16 de março de 2013.
Nascida em Florênca (Itália), foi criada na Argentina. Fez licenciatura em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Universidade Católica Argentina.
É autora do livro "Francisco, vida e revolução", em que conta o caminho do Bergoglio até chegar à liderança máxima da Igreja Católica, com detalhes sobre o conclave e as reformas que tem realizado.
* O jornal argentino "La Nación" integra o Grupo de Diários América (GDA), do qual O GLOBO faz parte
Vaticano pressiona e hospitais não conseguem cumprir lei que garante aborto na Itália
O Globo com agências
Funcionários contratados se recusam a fazer este tipo de operação
RIO - Italianas estão sendo privadas do seu direito de abortar devido à pressão do Vaticano. Médicos denunciam que a Igreja Católica está incentivando que hospitais só contratem profissionais que sejam contrários à prática.
Nove em dez obstetras e ginecologistas que trabalham em hospitais públicos em determinados distritos se recusam a fazer este tipo de operação apesar de ser validada em lei desde 1978. A legislação afirma que toda mulher tem o acesso garantido ao procedimento nos primeiros noventa dias de gravidez.
Este ano, Valentina Magnanti, de 28 anos, foi deixada para dar à luz uma criança gravemente malformada em um banheiro de um hospital em Roma porque nenhum dos médicos queria tratá-la. O pedido da mulher ao aborto induzido foi outorgado mas, após tomar os medicamentos necessários para a operação, o hospital não conseguiu fornecer equipe médica para concluir o procedimento.
Para a presidente da Free Association of Italian Gynaecologists (Associação Livre de Ginecologistas Italianas, em tradução livre), a lei deve ser cumprida.
— A mulher tem o direito ao aborto na legislação italiana mas isto não é seguro nos hospitais porque os funcionários não estão dispostos a atuar — disse ao Independent.
Preconceito, assédio e aborto: patinadora encarou todo mundo e foi campeã
Fonte: UOL
Ela é conhecida como a rebelde da patinação artística no gelo por ter enfrentado preconceito e ignorado imposições de sua federação. Foi mãe solteira, deixou seu país em busca de privacidade e se tornou bicampeã mundial. A japonesa Miki Ando passou por tudo isso antes dos 25 anos e virou um marco entre os atletas da modalidade.
Hoje aposentada de competições oficiais, prestes a completar 27 anos, Ando deixou o Japão aos 15. O motivo: já uma estrela da patinação, esporte popular no país, não aguentava o assédio da mídia e o exagero dos fãs. “Era seguida até no shopping, não podia ter uma vida normal”, contou ela.
A japonesa se mudou para os Estados Unidos e viu sua carreira decolar. Tornou-se bicampeã mundial em 2007 e 2011, além de ganhar etapas do Grand Prix e outros torneios, incluindo o tricampeonato japonês. Mas o desafio fora do gelo era tão grande quanto dentro.
A federação japonesa é conhecida por suas exigentes regras de comportamento. Talentosa, Miki Ando ignorou a cartilha de como deveria se vestir e agir. Passou a trabalhar com técnicos estrangeiros (namorou um deles, russo) e no caminho para tentar a inédita medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Inverno precisou tomar uma decisão: fazer um aborto ou deixar a patinação de lado.
Escolheu a segunda opção. “Patinar é minha vida e me trouxe até aqui. Foi difícil resolver tudo mentalmente na hora e odiei pensar que poderia dizer adeus (ao bebê), mas escolhi a vida do bebê em detrimento da patinação”, revelou em 2013, após dar à luz sua primeira filha.
A mídia japonesa começou a bombardear Miki Ando por não ser casada e sequer revelar o nome do pai de sua filha. Até hoje a identidade dele é mantida em segredo. Tal postura fez com que a federação japonesa de patinação fosse questionada se falhou ao passar valores para Miki Ando. Ela, mais uma vez, ignorou. E, para completar a “rebeldia”, hoje namora um patinador espanhol três anos mais novo.
Para alertar jovens gays sobre aids, governo vai utilizar redes sociais
Agência Brasil
A intensificação das campanhas de prevenção da aids nas redes sociais e em aplicativos de encontros para celulares será a estratégia do Ministério da Saúde para reverter a tendência de aumento dos casos da doença entre jovens do sexo masculino. A informação foi dada hoje (6) pelo secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, que participou, no Rio de Janeiro, juntamente com o ministro Arthur Chioro, do Dia D de mobilização contra a dengue e a febre chikungunya.
“Temos que agir de forma contundente, principalmente junto à população de jovens de 15 a 24 anos, do sexo masculino, particularmente os jovens gays, porque entre eles a velocidade de transmissão do HIV [vírus da imunodeficiência humana] é muito maior do que entre a população em geral”, disse o secretário. “São muitas as explicações para esse aumento, mas independente das causas, a realidade é que tivemos um aumento de 68% nos casos entre meninos de 15 a 24 anos, enquanto que entre as meninas a redução foi de 12%, no período de uma década”, destacou Jarbas Barbosa.
De acordo com dados divulgados pelo ministério, por ocasião do Dia Mundial de Combate à Aids (1º de dezembro), entre os jovens dessa faixa de idade a incidência tem aumentado, passando de 9,6 casos por 100 mil habitantes, em 2004, para 12,7 casos por 100 mil habitantes em 2013. Ao todo, 4.414 novos jovens foram detectados com o vírus em 2013, enquanto em 2004 eram 3.453.
Para o secretário, além de alertar os jovens gays para a prática do sexo seguro, com o uso do preservativo, é fundamental ressaltar a importância do teste do HIV, para que o portador assintomático comece a tomar a medicação gratuita, fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
“O tratamento precoce também serve como prevenção, fazendo com que a gente tenha cada vez menos [casos] de pessoas que não sabem que são portadoras do vírus da aids, e que, por isso, estão transmitindo para outras pessoas”, disse.
Segundo Jarbas Barbosa, atualmente 60 organizações não governamentais, parceiras do ministério, fazem mais de mil testes rápidos de HIV por mês nas populações mais vulneráveis, na porta de bares e boates gays e nas calçadas onde atuam os profissionais do sexo, sejam travestis, homens ou mulheres. Ao longo do ano, tanto os testes como a campanha nas redes sociais serão intensificados por ocasião de festas populares, como o carnaval.
Três vírus e algumas novidades (Jairo Bouer)
O estado de SP
A última semana trouxe novidades em relação a três dos vírus que foram mais falados nos últimos meses. Todas elas têm relação, de alguma forma, com nossa vida sexual e saúde. Um curioso estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, comparando a evolução do HIV em diferentes países na África, mostrou que o vírus pode estar perdendo sua potência e passando a se replicar com uma velocidade mais baixa. O trabalho foi publicado na PNAS e divulgado pela BBC.
Pessoas infectadas pelo vírus em Botswana (país em que a epidemia começou antes) demoram hoje, em média, 12,5 anos para começar a desenvolver sinais de aids, em contraste com um intervalo mais curto, em países como a África do Sul, em que a doença chegou uma década depois. Do ponto de vista da evolução, para enfrentar sistemas imunológicos agora mais resistentes, o vírus estaria perdendo poder de fogo. É o mesmo processo que, ao longo de milênios, fez o homem sobreviver a grandes epidemias.
Os pesquisadores acreditam, também, que os esquemas de tratamento com antirretrovirais podem ter acelerado um processo de "seleção" do HIV. Assim, à medida que os vírus mais agressivos estariam sendo barrados pelo poder de ataque da combinação de remédios, suas variações mais brandas estariam ganhando espaço.
Outra novidade foi uma nova recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgada no Congresso Mundial de Luta contra o Câncer, em Melboume, Austrália, que duas doses de vacina contra o HPV, vírus causador das verrugas genitais e da maior parte dos casos de câncer de colo de útero, seriam suficientes para garantir proteção às meninas. A notícia foi divulgada pela agência de notícias AFP.
A orientação anterior era de que seria preciso receber três doses. A diminuição do número de doses da vacina pode gerar uma economia brutal para o combalido sistema de saúde de muitos países em desenvolvimento.
No Brasil, o Ministério da Saúde lançou neste ano campanha de vacinação gratuita, com três doses (a segunda seis meses depois da primeira, e a última cinco anos após o início do esquema), baseada nas pesquisas médicas e na recomendação da própria OMS. Talvez uma possível realocação de recursos, se houver a confirmação de que duas doses são suficientes, permitiría uma cobertura mais ampla da vacinação para outros grupos da população, como o dos garotos.
A última novidade diz respeito ao Ebola, e foi publicada pelas agências Reuters e AFP. A OMS passou a recomendar abstinência sexual por três meses para as pessoas que sobreviveram à infecção. Anteriormente, se falava em períodos mais curtos.
Segundo os pesquisadores, apesar de não haver casos documentados de transmissão por via sexual, há evidências de que o vírus pode ser encontrado no sêmen por até 82 dias depois da manifestação dos sintomas. Nesse caso, uma relação sexual sem proteção poderia expor os parceiros ao vírus.
Mulheres deveriam ganhar mais que homens. Mas é a gente que manda
Blog do Leonardo Sakamoto
Mulheres deveriam ganhar 10,4% a mais que os homens no Brasil, considerando sua formação, experiência e produtividade em relação à atividade econômica e à posição profissional. O dado faz parte do “Relatório sobre Salário Global'', divulgado Organização Internacional do Trabalho. Contudo, as brasileiras recebem salários 24,4% menores.
Um dos fatores apontados pela entidade das Nações Unidas é a discriminação – aqui muitas vezes travestida de “costume'', “cultura'' e “tradição''. Até porque violência de gênero não se manifesta apenas através da porrada, mas possui mecanismos mais sutis.
Outro dado interessante: de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais, do IBGE, homens trabalham fora de casa 42,1 horas/semana e as mulheres 36,1 horas/semana – em média. Mas eles se dedicam a 10 horas/semana a afazeres domésticos e elas 20,8.
Na somatória, dá 52,1 horas/semana para eles e 56,9 horas/semana para elas.
O problema é que trabalho doméstico ainda não é considerado trabalho, mas sim obrigação, muitas vezes relacionado a um gênero que tem o dever de cuidar da casa. Dever este que não está no código genético da humanidade mas foi construído e imposto. E, transformado em tradição e cultura, é abraçado e dificilmente discutido. Como se mulher cuidar da casa e dos filhos fosse a coisa mais natural do mundo.
É sintomático, portanto, que apenas recentemente a Organização Internacional do Trabalho tenha conseguido aprovar uma convenção para igualar direitos para trabalhadoras domésticas em relação ao restante da sociedade. Ou que o Brasil aprovasse uma lei que abrisse uma fresta de luz na senzala das trabalhadoras empregadas domésticas, garantindo a elas os mesmos direitos que o restante da população.
O que levou, é claro, a ranger de dentes da Casa-Grande.
A questão da jornada tripla (trabalhadora, mãe e esposa) é apenas um elemento para corroborar o fato de que vivemos em uma sociedade com um pé no futuro e outro no passado. A qual todos nós pertencemos e, portanto, somos atores da perpetuação de suas bizarrices.
Como já disse aqui, temos uma mulher na Presidência. Simbolicamente relevante, politicamente insuficiente, não serve para justificar nenhuma mudança estrutural. São poucas as governadoras, prefeitas, senadoras, deputadas, vereadoras. Mas também CEOs, executivas, gerentes, síndicas de condomínios. A Suprema Corte tem 11 assentos. Só dois deles pertencem a mulheres, infelizmente.
Falta criar condições não apenas para que elas cheguem lá mas, chegando, sejam tratadas com o mesmo respeito que os homens. O que inclui a adoção de direitos reprodutivos nas políticas corporativas, por exemplo, garantindo que carreiras não sejam sepultadas na maternidade.
Segundo a Síntese de Indicadores Sociais: as mulheres continuam com menos acesso a cargos de direção do que os homens. Isso sem contar que, quando atingem esses postos, sua remuneração corresponde a 60% da masculina.
Em 2002, o ganho das mulheres era equivalente a 70% do rendimento dos homens. Dez anos depois, passou para 73%. Mas para quem tem 12 anos ou mais de estudo, a relação vai a 66%. Ou seja, neste caso, a desigualdade aumenta com a escolaridade.
Todos nós, homens, somos sim inimigos até que sejamos devidamente educados para o contrário. E tendo em vista a formação que tivemos, é um longo caminho até alcançarmos um mínimo de decência para com o sexo oposto.
Cabem duas agendas (Flávia Oliveira)
O Globo
Transferência de renda, acesso à universidade e construção de casas não têm de minguar porque Joaquim Levy chegou
No calor pós-apuração do segundo turno presidencial, ousei escrever que o Brasil saíra das urnas com duas agendas vencedoras. Naquele 26 de outubro, cem milhões de eleitores disseram sim ao par de modelos que devolveram o país ao top ten das maiores economias do planeta. De um lado, o arcabouço petista de tecnologia social, que deu escala ao Bolsa Família, pariu um programa habitacional do porte do Minha Casa Minha Vida e multiplicou o acesso à universidade. De outro, o tripé macroeconômico tucano, com câmbio flutuante, inflação no centro da meta e rígido controle fiscal. A divisão dos brasileiros — com três milhões de votos a mais para Dilma Rousseff — indicou que nenhum avanço das duas últimas décadas está descartado.
No desenho da nova equipe econômica, a presidente reeleita parece ter captado a mensagem. Dilma escolheu Joaquim Levy para pilotar o Ministério da Fazenda. Como gestor público, o engenheiro naval encarna imagem do homem que leva um escorpião no bolso. Quem bulir levará ferroada. Por onde passou, o futuro ministro deixou fama de intransigente guardião de cofres. No Tesouro Nacional, fez superávit recorde elevando arrecadação e cortando gastos. Na Fazenda fluminense, bancou o ajuste que içou o estado ao grau de investimento, a tal nota que abre portas do dinheiro farto e barato.
O ex-secretário tem obsessão por transparência e controle. É temido pela crença na fiscalização. No Rio, adotou o cruzamento entre receitas declaradas por varejistas e pagamentos recebidos de administradoras de crédito. Num exercício com mil empresas, o (sub) faturamento beirava um terço da renda com cartões. Por outro lado, tem “visão boa de desoneração de investimentos”, atesta Julio Bueno, secretário de Desenvolvimento do Rio desde o 1º mandato de Sérgio Cabral. Foi Levy que livrou bens de capital de tributação no Rio, o que ajudou a atrair grandes projetos industriais.
O Brasil do pior resultado fiscal em 22 anos e do investimento decrescente tem em Levy nome adequado para resgatar a confiança dos agentes econômicos. Em linguagem popular, a chapa vai esquentar para ministros gastadores. E também para contribuintes distraídos ou mal intencionados. Contabilidade criativa no “modo Levy” define as ferramentas usadas para recolher mais e gastar menos; nada a ver com camuflagem de desembolsos excessivos.
Ainda assim, Levy na Fazenda e manutenção dos gastos sociais não são, necessariamente, conceitos incompatíveis. Pela via das parcerias, o Estado pode reduzir o volume de recursos públicos em projetos de interesse privado, caso de estradas, portos, aeroportos, energia. Pode até sobrar dinheiro para áreas essenciais. Outra dica: recordes recentes na produção de petróleo indicam que vão pingar mais recursos na conta carimbada para saúde e educação. Em setembro de 2013, o fundo social dos royalties recolheu R$ 16 milhões. Este ano, no mesmo mês, R$ 114 milhões; em três trimestres, R$ 1,172 bilhão. Desde fins do ano passado, metade da bolada está vinculada ao par de setores.
Transferência de renda, acesso à universidade e construção de casas não têm de minguar porque Joaquim Levy chegou. Eficiência no gasto social não é um ministério desembolsar R$ 2 bilhões por mês, mas descobrir como 13 milhões de famílias melhoram de vida gastando os R$ 149 do benefício médio do Bolsa Família. E repetir a fórmula em Brasília.
Alimentou o boato (Ricardo Boechat)
Migrações são tema universal. Eleonora Menegucci, ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres, falou tanto sobre direitos humanos na festa do 30º aniversário da Declaração de Cartagena para Refugiados (Cartagena + 30), na terça-feira 2, em Brasília, que acabou abordada. Curiosos indagavam se iria para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, como se especula. "Não sei de nada", respondia mineiramente.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2014
Novos e velhos desafios
Novos e velhos desafios
por Cláudia Carneiro da Cunha*
Fábio Grotz**
Washington Castilhos***
Três décadas de epidemia do HIV/Aids e os desafios persistem mesmo com os avanços biomédicos e a contínua mobilização de movimentos de direitos humanos. Na semana em que se comemorou mais um Dia Mundial de Luta contra a Aids (01/12), dados lançados pelo Ministério da Saúde brasileiro mostram que a infecção pelo vírus aumentou mais de 50% entre a população de 15 a 24 anos nos últimos seis anos. Relatório da UNAIDS de meados deste ano já apontava o crescimento de 11% nos casos de infecção entre a população brasileira de 2005 a 2013, tendência oposta à média mundial (infecções diminuíram 13% nos últimos três anos). Esse cenário evidencia tanto os limites e fragilidades da resposta à epidemia quanto a necessidade de reflexão sobre as formas de mobilização para enfrentar a situação.
Desde os anos 1990, a produção de antirretrovirais (ARVs) tem sido crescente e figurado como ferramenta central para o enfrentamento global da epidemia. A partir de 1996, o Ministério da Saúde brasileiro passou a distribuir gratuitamente e de forma universal a medicação ARV na rede pública de saúde. No ano passado, a oferta do coquetel para todos os indivíduos diagnosticados com o vírus – independe da manifestação da doença – tornou-se regra do protocolo clínico e das diretrizes terapêuticas. A aposta biomédica contra a epidemia tem sido a tônica mundial, conforme demonstra decisão desta semana da Organização Mundial da Saúde (OMS) de expandir a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) para todos os indivíduos envolvidos em situação de risco de transmissão, e não mais apenas para aquelas pessoas vítimas de estupro ou envolvidas em acidentes ocupacionais com agulhas contaminadas. Em julho, a OMS já tinha definido novas diretrizes, recomendando a algumas populações-chave – como homens que fazem sexo com homens (HSH), trabalhadores/as do sexo e indivíduos transgêneros – a ingestão de ARV como método de prevenção, a chamada Profilaxia Pré-Exposição (PrEP).
Nesse cenário, cabe interrogar-se sobre o panorama brasileiro. Por que as estratégias de prevenção não têm dado certo? Por que no Brasil a infecção entre os jovens vem crescendo em uma velocidade bem maior que da população geral? Especialistas afirmam que a expansão da epidemia, sobretudo entre os jovens, tem como motivo principal um comportamento sexual menos preocupado com a doença, por estes acreditarem que hoje ninguém mais morra de Aids, ou que se contrair o vírus é só tomar o remédio – disponível para todos no Sistema Único de Saúde (SUS) – e estará tudo bem, aspectos descritos por pesquisadores como “banalização da AIDS” e “otimismo”.
De fato, os avanços biomédicos alteraram, em alguma medida, a representação dominante do início da epidemia de que ter o vírus significava uma “sentença de morte”. No entanto, isso não explica integralmente a situação. Pelo contrário, a responsabilização pode ser um caminho que ofusca as fragilidades da rede pública de saúde, não reflete criticamente a respeito da concepção das estratégias de prevenção e ignora, por fim, as relações de opressão e marginalização baseadas em desigualdades de gênero, cor/raça, sexo, renda, entre outros marcadores sociais da diferença, que vulnerabilizam mais alguns indivíduos e grupos em comparação a outros.
A omissão e o descuido em relação às desigualdades sociais de diversas ordens que marcam a sociedade brasileira são fatores importantes para a compreensão do crescimento da epidemia no país. Também os problemas na rede pública de saúde compõem esse cenário, pois são comuns denúncias de atendimentos precários e falta de remédios em unidades de saúde em diversos Estados.
Nos últimos anos, à medida que a alternativa medicalizante tem sido priorizada pelos gestores, a perspectiva de direitos humanos tem sido enfraquecida. Isso é notável nos recuos do governo federal em campanhas recentes de prevenção destinadas a grupos vulneráveis (como HSH e travestis - e prostitutas).
Desde a aparição da doença nos anos 1980, a luta contra o estigma e o preconceito tem sido uma bandeira central para os movimentos de combate à doença, pautados nos direitos humanos. Ser portador do vírus implicava – e ainda implica – forte carga moral por associar os soropositivos a uma série de estigmas, tais como o da culpa pela infecção e o da figura sexualmente desviante, promíscua e “perigosa” para a população como um todo. Tais estigmas recaíram de maneira flagrante sobre os homossexuais, nos primeiros momentos da epidemia, imagens que foram afastadas devido à forte ação desses mesmos movimentos. Por isso, a concepção de direitos humanos constitui uma ferramenta importante, pois o estigma é, em si, um forte obstáculo à prevenção e ao tratamento da Aids, conforme uma série de estudos demonstram.
Prova disso é o aumento da epidemia entre as mulheres. Os homens continuam sendo os mais afetados pelo vírus, mas a diferença em relação a elas caiu ao longo dos anos: em 1989, a proporção era de seis casos da doença no sexo masculino para cada caso no sexo feminino. Em 2011, a proporção passou a ser de 1,7 casos em homens para cada mulher infectada: um cenário em que a vulnerabilidade social é fator importante para a análise, na medida em que as relações desiguais de gênero colocam a mulher em situação vulnerável, por exemplo, na hora de negociar a camisinha com seu parceiro.
Com relação a outros grupos vulneráveis – como os jovens – uma das ações mais notáveis é a dos jovens vivendo com HIV/Aids, que tem protagonizado ações junto a gestores, profissionais de saúde e movimentos sociais, através da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/Aids (RNAJVHA), e das Redes Regionais e Estaduais filiadas à RNAJVHA . A proposta é pautada pela ideia de fortalecer esses indivíduos em termos políticos e sociais, apostando na atenção integral à saúde como maneira de demonstrar que a doença não significa morte. No entanto, conforme a antropóloga Cláudia Cunha analisou em seu estudo de doutorado, a iniciativa apresenta alguns problemas, como o “fantasma” da responsabilização ao gerar, através da operação de protagonismo, o contra-efeito de produzir socialmente indivíduos percebidos como “descontrolados”, “irresponsáveis” e potencialmente “perigosos”.
Nesse contexto, o cenário brasileiro situa-se em um momento paradoxal: contrariamente à tendência mundial de redução de novas infecções e ao forte investimento em prevenção biomédica, o país assiste à expansão da epidemia, notadamente entre populações vulneráveis. A sociedade civil e os movimentos sociais têm demandado mudanças nas estratégias de prevenção e tratamento. De um lado, a taxa de mortalidade reduz-se (caiu 13% entre 2000 e 2013, de acordo com o Ministério da Saúde) – o que pode ser lido como um atestado de eficácia da medicação ARV. Do outro lado, o vírus continua a circular por novos corpos em um ritmo considerável. Quais são, nesse sentido, as respostas adequadas para dar conta dessa realidade? O Ministério da Saúde lançou no dia 01/12 a campanha “#Partiu teste”, voltada para a população jovem em um esforço para que o número estimado de pessoas que desconhecem sua soropositividade (150 mil, segundo o Ministério da Saúde) diminua. Talvez as respostas para o panorama atual sejam ampliar os esforços para além da ação biomédica, através de ações que também priorizem a dimensão social da epidemia e que sejam baseadas na ideia de direitos humanos. Assim, é possível que se saiba, de fato, quem são os jovens que irão “partir para o teste” e quais as suas realidades.
A saída pra essa situação não é simples e tampouco nova. Desde o início da década de 90, o conceito de vulnerabilidade aplicado ao contexto da epidemia já sinalizava para a importância de compreender que a AIDS varia de região para região do mundo, estando diretamente relacionada aos contextos sociais, notadamente aqueles marcados pela pobreza e desigualdade social. Assim, no contexto brasileiro, os riscos de infecção pelo HIV aos quais estão submetidos jovens de camadas médias e altas e aqueles de camadas populares são bastante diferentes. O contexto onde se pratica o sexo, com que tipo de parceiro(s), premido por determinados roteiros sexuais culturalmente marcados, submetido ou não a situações de coerção e violência, com ou sem acesso a serviços de saúde, resultam em distintas possibilidades de “se prevenir” da doença. É preciso então, no que tange à prevenção, retomar a velha receita de atentar para os valores culturais e contextos de vida dos indivíduos, aqueles mesmos que os tornam atores sociais.
* Cláudia Carneiro da Cunha é antropóloga, pós-doutoranda em Saúde Coletiva no Instituto de Medicina Social/Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
** Fábio Grotz é jornalista, mestre em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2013).
*** Washington Castilhos é jornalista e ativista pelos direitos sexuais, pós-graduado em Gênero e Sexualidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2011).
Publicada em: 04/12/2014